Uma descoberta astronômica recente tem intrigado cientistas: uma fonte de rádio com uma rotação incrivelmente lenta, desafiando o entendimento atual sobre estrelas de nêutrons. Batizada de ASKAP J1839-0756, esse objeto cósmico gira apenas uma vez a cada 6,5 horas, um ritmo muito mais lento do que o previsto para pulsares, as ‘faróis cósmicos’ que emitem feixes de rádio de seus polos magnéticos.
Pulsares, geralmente, giram rapidamente, completando uma rotação em segundos ou até menos. Eles são formados quando grandes estrelas explodem em supernovas, deixando para trás núcleos densos chamados estrelas de nêutrons. Essas estrelas emitem feixes de rádio que, ao varrerem a Terra, criam pulsos periódicos. A ASKAP J1839-0756, no entanto, apresenta um comportamento atípico.
A descoberta foi realizada usando o radiotelescópio ASKAP do CSIRO, localizado na Austrália Ocidental. Durante observações de rotina, a fonte se destacou por não ter sido previamente identificada. Inicialmente, detectou-se apenas um pulso de rádio, com o brilho caindo drasticamente em 95% em apenas 15 minutos. Observações posteriores com o ASKAP, o Australia Telescope Compact Array e o radiotelescópio MeerKAT na África do Sul revelaram dois pulsos separados por 6,5 horas, confirmando a periodicidade da emissão.
A surpresa maior foi a rotação extremamente lenta. Teoricamente, uma estrela de nêutrons, ao perder energia rotacional, diminui a velocidade de rotação e, ao atingir cerca de uma rotação por minuto, deveria parar de emitir pulsos de rádio. A ASKAP J1839-0756 desafia essa teoria, emitindo pulsos mesmo com uma rotação tão lenta.
Outro aspecto peculiar é o alinhamento da ASKAP J1839-0756 com a Terra, que permite observar pulsos de ambos os polos magnéticos. A maioria dos pulsares é como ‘lanternas de um lado só’, com o eixo de rotação alinhado ao eixo magnético, permitindo ver flashes de apenas um polo. Cerca de 3% dos pulsares apresentam os eixos de rotação e magnético quase em ângulos retos, revelando pulsos de ambos os polos. Esses ‘interpulsos’ oferecem uma visão única da geometria e do campo magnético da estrela. ASKAP J1839-0756 se destaca como o primeiro objeto de rotação lenta a emitir interpulsos, gerando grandes questões sobre seu funcionamento.
O que poderia estar alimentando essa anomalia cósmica? Uma hipótese é que seja um magnetar, uma estrela de nêutrons com um campo magnético muito poderoso. Magnetars geram pulsos de rádio por meio de mecanismos diferentes, o que poderia explicar a emissão mesmo com rotação lenta. No entanto, mesmo os magnetars têm limites, e seus períodos costumam ser medidos em segundos. A exceção é um magnetar chamado 1E 161348-5055, com período de 6,67 horas, mas que emite raios X, e não pulsos de rádio.
Outra teoria sugere que o objeto poderia ser uma anã branca, o núcleo remanescente de estrelas menos massivas, que giram mais lentamente do que estrelas de nêutrons. No entanto, até o momento, não foram observadas anãs brancas isoladas emitindo pulsos de rádio. Também não há evidências de uma anã branca na localização da ASKAP J1839-0756 em outras frequências.
Independentemente de sua natureza, a ASKAP J1839-0756 representa um enigma cósmico, forçando astrônomos a repensar o comportamento das estrelas de nêutrons. Sua combinação incomum de rotação lenta, pulsos de rádio e interpulsos desafia as teorias atuais e abre portas para novas explorações sobre o que reside no coração desse mistério cósmico. A descoberta é um lembrete de que o universo continua a nos surpreender, especialmente quando pensamos ter desvendado todos os seus segredos. Publicado na Nature Astronomy, o estudo marca um avanço na compreensão de fenômenos cósmicos extremos.
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