O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) concedeu uma liminar que suspende a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que estabelecia diretrizes para o atendimento de menores vítimas de violência sexual em casos de aborto previsto em lei. A decisão, anunciada na terça-feira (24), foi proferida pelo juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, atendendo a um pedido da ex-ministra e senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
A resolução, aprovada por 15 votos a 13, sendo os votos contrários de representantes do governo federal, havia sido proposta pelo Conanda, órgão presidido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Os votos favoráveis foram de representantes de entidades da sociedade civil que compõem o conselho.
Damares Alves argumentou que a resolução não definia o limite de tempo gestacional para a realização do aborto legal e que estabelecia que a vontade da criança ou adolescente gestante prevaleceria sobre a dos pais ou responsáveis legais em caso de discordância. Para a senadora, essa determinação poderia gerar um "relevante clamor social".
A ex-ministra, que se declara conservadora e pró-vida, também mencionou os pedidos de vistas e adiamento das discussões dentro do Conanda para justificar a suspensão da resolução. O juiz Tocchetto Pauperio concordou, afirmando que “o pedido de vistas é um direito ao mesmo tempo que um dever, pois refere-se diretamente à aplicação de política pública de grande relevância social”, como é o caso do aborto legal para menores.
O magistrado ponderou que o Conanda teria descumprido as regras do processo administrativo legal e agido contra “a legalidade e a segurança jurídica que devem ser inerentes aos atos da Administração”. Tocchetto Pauperio classificou a resolução como ilegal e afirmou que sua decisão visa impedir sua publicação no Diário Oficial da União até a resolução final da questão.
“Dessa forma, não entendo razoável colocar em risco uma infinidade de menores gestantes vítimas de violência sexual, mormente nessa época do ano, sem que haja a ampla deliberação de tão relevante política pública que, reforço, foi aparentemente tolhida com a negativa do pedido de vistas pelo Conselheiro representante da Casa Civil da Presidência da República”, escreveu o juiz em sua decisão.
Com a liminar, o Conanda tem dez dias para prestar esclarecimentos, conforme o despacho que detalha a concessão da medida.
Repercussão e Contraponto
A conselheira do Conanda, Deila Martins, membro da mesa diretora, contesta a decisão, afirmando que a suspensão da resolução coloca as vítimas em risco. Segundo ela, a medida priva as menores de atendimento adequado e do respeito a seus direitos, além de “obrigá-las a parir e se aliar a uma direita fundamentalista para impedir os direitos de quem já sofreu com violência sexual”.
Entidades integrantes do Conanda divulgaram um comunicado nas redes sociais e um documento à imprensa defendendo a aprovação da resolução como democrática e fruto de debates coletivos. Segundo o grupo, a resolução não inova o direito ao aborto legal, previsto no Código Penal desde 1940, mas detalha o fluxo para garantir os direitos de crianças e adolescentes, protegendo-as da violência e violação de direitos. A legislação brasileira permite o aborto em casos de risco à vida da gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal.
As organizações se mostraram “indignadas” com a decisão, especialmente em um momento de retomada da cultura democrática. Elas afirmam que o teor da resolução foi debatido desde setembro, com a participação de especialistas e a criação de uma comissão específica.
Nas redes sociais, a decisão gerou manifestações com hashtags como #estupradornãoépai e #criançanãoémãe, além de críticas que questionam a capacidade de crianças e adolescentes serem consideradas incapazes para optar pelo aborto legal, mas aptas para enfrentar uma gestação, maternidade e possível entrega do filho para adoção.
Dados Estatísticos Alarmantes
No Brasil, a maioria (67%) dos 69.418 estupros registrados entre 2015 e 2019 teve como vítimas meninas entre 10 e 14 anos, conforme dados do governo. Anualmente, são registrados mais de 11 mil partos decorrentes de violência sexual contra menores de 14 anos.
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