O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), propôs um debate aprofundado sobre o papel dos militares na política brasileira. Durante uma discussão sobre a importância da democracia, realizada no STF, o ministro defendeu que projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional podem ser cruciais para evitar a “militarização da administração e a politização dos quartéis”.
Mendes também argumentou que é necessário estabelecer um período de quarentena para servidores públicos que desejam se candidatar a cargos eletivos. Essa medida, segundo o ministro, não se restringiria apenas aos militares, mas se estenderia a juízes, promotores, delegados, policiais e outros funcionários da administração pública. A ideia é impedir que a atuação desses profissionais seja usada para fins políticos, dada a visibilidade que seus cargos proporcionam.
A crescente participação de membros das forças de segurança na política tem gerado preocupação. Muitos candidatos e políticos eleitos para a Câmara dos Deputados e para o Senado Federal se apresentam publicamente com suas patentes militares ou policiais. Atualmente, a bancada da segurança pública no Congresso conta com 56 deputados e dez senadores, um aumento expressivo em relação aos quatro parlamentares da primeira legislatura após a Constituição de 1988.
Esses parlamentares defendem pautas como o fim das penas alternativas, redução da idade penal, modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente, alteração do Estatuto do Desarmamento e aumento da circulação de armas, além de serem contrários à adoção de câmeras corporais em operações policiais. Essa agenda, segundo analistas, reflete uma visão particular sobre segurança pública, muitas vezes associada a uma interpretação rígida da lei.
Visões idílicas e o verde-amarelismo
Parte da população idealiza os militares, vendo-os como figuras de correção e idoneidade, uma percepção que pode ser influenciada por uma postura mais inflexível e “direta” desses profissionais. O publicitário Antonio Tabet, conhecido por interpretar personagens “durões”, como o policial Peçanha, avalia que essa visão confunde intransigência com disciplina e austeridade.
O jornalista Leandro Demori ressalta que essa idealização é alimentada por um sentimento de patriotismo e exaltação de símbolos nacionais, o chamado “verde-amarelismo”, que mobilizou a população em momentos como o suicídio de Getúlio Vargas, o golpe de 1964, as Diretas Já e o impeachment de Dilma Rousseff. Para Demori, esses símbolos são usados como promessa de resgate de um passado idealizado, oferecendo soluções simplistas para crises sociais e institucionais.
Impunidade e necessidade de reformas
A história brasileira revela uma série de golpes de Estado, com participação frequente do Exército, como o golpe de 1964, que instaurou um regime ditatorial por 21 anos. A ativista Bianca Santana aponta que os abusos cometidos por militares entre 1964 e 1985 permaneceram impunes. Essa impunidade, segundo ela, perpetua um ciclo de violência e desrespeito à democracia. Para a jornalista Juliana Dal Piva, o país precisa reformar as instituições que formam os militares e discutir o legado autoritário da ditadura.
O psicanalista Christian Dunker enfatiza que é preciso responsabilizar os envolvidos em tentativas de golpe, como a de 8 de janeiro, para que haja um “pagamento da dívida simbólica”. No entanto, o publicitário Antonio Tabet e o jornalista Felipe Recondo alertam que não se pode generalizar o envolvimento de todos os militares em ações golpistas. Ambos destacam que muitos militares foram “ponta firme” na defesa da democracia, e é preciso separar a instituição de membros que agiram contra o Estado. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, também reforça a necessidade de separar a instituição das pessoas que desviaram de sua conduta.
Apesar dessas distinções, o jornalista Leandro Demori relativiza essa importância, afirmando que em todos os golpes, grupos dentro das Forças Armadas foram os que atuaram, junto ao poder civil, e que esses golpes são vendidos à sociedade como momentos de purificação da República. As instituições, contudo, precisam estar sempre vigilantes para que erros não se repitam.
A Agência Brasil procurou o advogado Paulo Bueno, defensor do ex-presidente Jair Bolsonaro, para comentários, mas não obteve resposta até o momento. O espaço segue aberto.
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