O musaranho-comum (Sorex araneus), um pequeno mamífero com uma expectativa de vida de apenas um ano, desenvolveu uma estratégia surpreendente para sobreviver aos invernos rigorosos: encolher seus órgãos, incluindo o cérebro. Este fenômeno, conhecido como 'Fenômeno de Dehnel', permite que o animal reduza seu peso em até 18%, o que inclui uma redução de mais de 25% da massa cerebral. A capacidade de diminuir o tamanho do cérebro e outros órgãos permite que o musaranho economize energia durante os meses frios, quando os recursos são escassos, e depois recupere o tamanho normal na primavera.
Uma nova pesquisa conduzida por cientistas dos Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca identificou os genes responsáveis por esse fenômeno extraordinário. O estudo, publicado na revista eLife, revelou conexões intrigantes entre as mudanças genéticas observadas no musaranho e alterações genéticas em humanos associadas a diversas condições de saúde, incluindo a doença de Alzheimer.
Essa pesquisa é um avanço em relação a um estudo anterior do mesmo grupo, que havia detalhado as alterações metabólicas que ocorrem no fígado, córtex cerebral e hipocampo do musaranho durante o encolhimento sazonal. Os achados sugerem que as descobertas poderiam ter implicações para o tratamento de doenças neurológicas em humanos.
Para aprofundar a compreensão da evolução do fenômeno de Dehnel, os pesquisadores compararam a expressão gênica no hipotálamo do musaranho com a de outras 15 espécies de mamíferos. O hipotálamo desempenha um papel crucial na regulação do metabolismo. Os cientistas identificaram centenas de genes que foram ativados no musaranho e que possuem versões semelhantes expressas no cérebro de outros mamíferos, incluindo roedores e primatas.
Segundo o biólogo evolucionista William Thomas, da Universidade de Stony Brook, e um dos principais cientistas do estudo, foi gerado um conjunto de dados único, permitindo comparar o hipotálamo do musaranho em diferentes estações e espécies. “Descobrimos um grupo de genes que mudam ao longo das estações e que estão envolvidos na regulação da homeostase energética, bem como genes que regulam a morte celular, que propomos estar associados à redução do tamanho do cérebro”, afirma Thomas.
Entre os genes que sofreram alterações na expressão ao longo das estações, destacam-se aqueles ligados à sinalização de cálcio na barreira entre o sistema circulatório e o cérebro. Isso sugere que adaptações permitem que o hipotálamo responda rapidamente a mudanças ambientais. A sequência BCL2L1, que se acredita desempenhar um papel na destruição de células individuais, também chamou a atenção.
Testes com transcritos de RNA, intactos e alterados, desse gene em culturas de células cerebrais de furão confirmaram as suspeitas. Os experimentos ajudaram a construir um quadro mais completo de como a sinalização e a morte celular levam à redução do cérebro durante o inverno.
A comparação de sequências reguladas com genes similares em outras espécies de mamíferos revelou cinco genes que os pesquisadores acreditam ser cruciais na evolução do fenômeno de Dehnel. Esses genes estão ligados à reciclagem de proteínas de membrana, à função de membranas sinápticas em células nervosas e à obesidade e Alzheimer em humanos.
Para o musaranho, que tem uma vida curta e intensa, sacrificar neurônios para preservar energia parece ser uma estratégia eficaz. Em humanos, no entanto, mudanças desse tipo teriam consequências graves. No entanto, estudos sobre o metabolismo e doenças neurodegenerativas mostram uma relação significativa entre os dois, o que sugere que investigações adicionais sobre a capacidade do musaranho de encolher o cérebro podem levar a avanços no diagnóstico e tratamento do declínio cognitivo.
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