Bactéria brasileira revela enzima ‘superpotente’ para transformar resíduos em biocombustível

Bactéria brasileira revela enzima ‘superpotente’ para transformar resíduos em biocombustível
Foto De Curioso.Photography via Adobe Stock

Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) anunciaram na revista Nature a descoberta de um biocatalisador inovador, denominado CelOCE (Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), isolado a partir de bactérias encontradas no solo brasileiro. A enzima, com potencial para revolucionar a produção de biocombustíveis, está em fase de licenciamento para aplicação industrial.

As amostras de solo foram coletadas em áreas comumente cobertas por bagaço de cana-de-açúcar. Um diferencial importante é que as bactérias analisadas não passaram por processos de seleção ou modificação em laboratório. O projeto abrangeu desde a bioprospecção, identificando os microrganismos com potencial, até a produção da enzima em escala industrial na planta-piloto do CNPEM.

A enzima CelOCE já teve seu pedido de patente depositado e aguarda licenciamento para uso industrial. A expectativa é que o uso no setor produtivo possa ter início entre um e quatro anos após a concessão do licenciamento, dependendo das tecnologias empregadas em seu desenvolvimento.

A descoberta da bactéria foi resultado do programa de mapeamento genético da vida microbiana da biodiversidade brasileira, conduzido pelo CNPEM em colaboração com parceiros nacionais e internacionais, a exemplo da iniciativa que identificou compostos com potencial para uso médico em bactérias de uma unidade de conservação na Amazônia. A pesquisa contou com parcerias do Instituto Nacional de Pesquisa para Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente da França (INRAE, da Universidade Aix Marseille) e da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU).

Segundo os pesquisadores, a metodologia empregada na descoberta da CelOCE pode ser replicada em outras condições, abrindo caminho para a identificação de compostos com potencial para a reciclagem de petroquímicos e plásticos. O processo envolve uma análise detalhada das soluções biológicas empregadas pelas bactérias.

Pequena, mas poderosa

A CelOCE se destaca por ser uma enzima muito pequena, composta por apenas 115 aminoácidos, o que facilita sua manipulação em laboratório em comparação com as enzimas atualmente utilizadas. Essa flexibilidade é apontada pela equipe do CNPEM como um avanço significativo, com potencial para transformar a cadeia de produção baseada em biomassa. A enzima pode ser utilizada tanto na produção de combustíveis quanto na obtenção de produtos derivados de petroquímicos, como plásticos e ácidos orgânicos.

Testes realizados em condições industriais demonstraram que a CelOCE, quando utilizada em conjunto com enzimas já empregadas na indústria, pode aumentar em até 21% a quantidade de glicose liberada a partir de resíduos vegetais.

O funcionamento da CelOCE se baseia na aceleração da quebra da celulose por desconstrução, etapa fundamental para a produção de energia no processo de construção de bioquímicos. “Essa descoberta muda o paradigma da degradação da celulose na natureza e tem o potencial de revolucionar as biorrefinarias”, destaca Mario Murakami, pesquisador do CNPEM e líder dos estudos.

Murakami explica que a pesquisa foi motivada pela necessidade de elucidar a “matéria escura metagenômica”, que corresponde aos genes de função desconhecida de microrganismos ainda não cultiváveis em laboratório. “Mais de 90% da vida microbiana ainda é desconhecida e pode conter informações capazes de mudar nosso entendimento sobre muitos processos na natureza, assim como a degradação da celulose, que foi a descoberta nesse trabalho.”

O pesquisador ressalta que o entendimento da ação da enzima sobre a celulose foi possível graças ao conjunto de equipamentos e à expertise dos pesquisadores do CNPEM, que permitiram a elucidação da estrutura tridimensional e o mecanismo de reconhecimento das fibras de celulose. “Seu mecanismo único, baseado na bioquímica redox, leva a ganhos superiores ao que se conhece no estado-da-arte”, conclui Murakami.

 

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