O hábito de usar o celular ao acordar ou de fazer refeições em frente a telas se tornou comum. A crescente dependência da internet, redes sociais e tecnologia levanta questões sobre o limite entre o uso e o vício. Anna Lucia Spear King, psicóloga, doutora em saúde mental e fundadora do Instituto Delete, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esclarece que nem todo uso diário e prolongado configura um vício patológico. Segundo a especialista, muitas vezes, trata-se de uma falta de educação para o uso correto das tecnologias.
King enfatiza que essa educação é crucial para evitar os efeitos negativos do uso excessivo de telas, incluindo o vício em jogos e aplicativos de apostas, além de requerer atenção especial no acompanhamento do uso por crianças e adolescentes. É importante lembrar que, assim como Matt Owens anunciou saída de ‘One Piece’ da Netflix para priorizar saúde mental, todos nós devemos priorizar a nossa.
O Instituto Delete, criado em 2013 no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, é uma instituição pioneira no Brasil e no mundo, dedicada à pesquisa do impacto das tecnologias na saúde e à promoção do uso consciente das telas e da dependência digital.
Em entrevista, King observou que muitas pessoas buscam o instituto acreditando serem viciadas, quando, na verdade, necessitam de orientação e novos hábitos. “As pessoas confundem e pensam que usar todos os dias por muitas horas significa ser viciado. Mas, às vezes, elas apenas não foram educadas para usar a tecnologia de forma adequada, sem horários, limites ou regras, mas não precisam de tratamento, e sim de educação digital”, explica. Em Natal, por exemplo, é possível encontrar alguns serviços gratuitos de saúde mental disponíveis.
A origem do Instituto Delete
Anna Lucia Spear King relata que o Instituto Delete surgiu da necessidade de atender pacientes com transtornos como ansiedade, depressão e pânico, que apresentavam um uso excessivo da tecnologia. “Eles se queixavam de uma dependência da tecnologia”, relembra. “Muitos se apegavam ao celular ou computador devido a algum transtorno associado, como fobia social, que dificultava o relacionamento interpessoal, ou compulsões que os levavam a compras online e jogos”.
Aumento da procura e a nomofobia
King destaca que a procura pelo instituto aumentou progressivamente com a maior interação das pessoas com a tecnologia, especialmente após a pandemia. Ela aponta a diferença entre a dependência comum da tecnologia, usada diariamente para trabalho e lazer, e a dependência patológica, conhecida como nomofobia, que necessita de tratamento especializado. Estudos apontam que casos de ansiedade infantil e adolescente aumentam no Brasil e o uso excessivo de telas é apontado como causa.
“A nomofobia geralmente está associada a um transtorno mental preexistente, como ansiedade, depressão, compulsão ou pânico, que potencializa o uso excessivo e patológico da tecnologia”, explica King. O diagnóstico envolve uma avaliação psiquiátrica e psicológica para determinar se a pessoa precisa apenas de educação digital ou de tratamento para nomofobia, que pode incluir terapia e, em alguns casos, medicação. Inclusive, um estudo da Fiocruz aponta que o Bolsa Família reduz mortalidade de pessoas com transtornos mentais.
Quando procurar ajuda?
As pessoas geralmente procuram ajuda quando percebem prejuízos em suas vidas pessoais, sociais, familiares, acadêmicas ou profissionais. Isso pode incluir dificuldades no trabalho, conflitos familiares, problemas de relacionamento ou queda no desempenho escolar.
Vício em jogos e apostas online
O Instituto Delete tem recebido muitas pessoas com vícios em jogos e apostas online. O tratamento, nesses casos, é psicológico e psiquiátrico. O psiquiatra avalia se há algum transtorno associado, enquanto o psicólogo trabalha para conscientizar o paciente sobre os prejuízos e perdas decorrentes do vício. King explica que os jogos são projetados para estimular a perda, liberando substâncias químicas no cérebro que geram prazer e bem-estar, criando um ciclo vicioso difícil de quebrar. Uma pesquisa recente identifica 293 novas ligações genéticas com a depressão, o que reforça a complexidade do tema.
“Quando você recebe uma curtida, recebe um elogio, ‘ó, você está linda, você é inteligente’, vai recebendo dopamina, endorfina, serotonina. É por isso que a pessoa quer entrar nas redes sociais o tempo todo para receber apoios e curtidas”, disse King.
Crianças e adolescentes: a importância da supervisão
King enfatiza a responsabilidade dos pais e adultos na vida digital dos menores de idade. Ela alerta que o uso excessivo e o vício em jogos são, muitas vezes, resultado da falta de orientação e supervisão adequadas. A especialista ressalta que a internet é uma porta aberta para o mundo, com seus perigos e riscos, e que os pais devem monitorar com quem seus filhos conversam e quais sites acessam.
Restrição do uso de celulares nas escolas
Sobre a lei que restringe o uso de celulares nas escolas, King se mostra favorável: “Eu acho maravilhosa. Só se pode usar a tecnologia com orientação do professor. Eu sou super a favor, porque agora eles têm que interagir, fazer esporte, se socializar, perder a timidez, coisas que fazem parte do desenvolvimento deles. Com celular na mão, cada um se isola no seu canto.”
Dicas para evitar o uso excessivo de telas
King oferece algumas dicas práticas para evitar o uso excessivo de telas:
- Não usar a tecnologia logo ao acordar, priorizando o café da manhã e outras atividades matinais.
- Evitar o uso de telas durante as refeições, para aproveitar o momento e saborear a comida.
- Desligar os dispositivos eletrônicos duas horas antes de dormir, para relaxar o cérebro e garantir um sono reparador.
- Limitar o uso de tecnologia em locais públicos, como ônibus, metrô e salas de espera, e priorizar a interação com as pessoas presentes.
- No trabalho, usar a tecnologia apenas em horário comercial e evitar responder mensagens fora do expediente.
“Nós, do Instituto Delete, não somos contra o uso de tecnologias, pelo contrário, nós somos super a favor, mas que seja usada de modo consciente para que você colha os benefícios e evite os prejuízos que o uso excessivo pode trazer”, finaliza King.
o uso do celular fica restrito em todas as escolas do país
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