A proposta de repactuação para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, apesar de homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda não conseguiu atrair a maioria dos municípios afetados. O novo acordo, firmado em 2024 com o objetivo de solucionar os impasses que se arrastam há mais de nove anos desde a tragédia, propõe a transferência de recursos para as prefeituras. No entanto, essa transferência está condicionada à desistência da ação de reparação de danos que tramita na Justiça inglesa.
Até o momento, apenas quatro municípios confirmaram a desistência da ação na Inglaterra, enquanto os outros 42 optaram por manter a busca pela reparação dos danos no exterior. O prazo de 120 dias para adesão ao acordo de repactuação, que teve início em 6 de novembro de 2024, se encerra em 6 de março, e muitos municípios indicam que devem se manter focados no processo judicial inglês.
A prefeitura de Ouro Preto (MG) é uma das que não aderiram à repactuação, alegando que o acordo não reconhece os prejuízos sofridos pelo município e, portanto, não promove a reparação necessária. A administração municipal informou que acompanha de perto os desdobramentos do processo na Inglaterra.
Relembrando a tragédia de Mariana
O rompimento da barragem, ocorrido em 5 de novembro de 2015 em Mariana (MG), liberou cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos na Bacia do Rio Doce, impactando diversos municípios em Minas Gerais e no Espírito Santo. A tragédia resultou em 19 mortes, destruição de dois distritos (Bento Rodrigues e Paracatu) e danos significativos às populações locais.
O julgamento na Inglaterra, que estava paralisado para o recesso de fim de ano, foi retomado em 13 de janeiro, reunindo cerca de 620 mil atingidos, incluindo municípios, comunidades indígenas e quilombolas, empresas e instituições religiosas. Eles processam a BHP Billiton, com sede em Londres, por perdas de propriedades, renda, impactos psicológicos e dificuldades de acesso à água e energia elétrica.
A ação, que tramita desde 2018, está na fase de julgamento do mérito desde outubro de 2024. Ao final das audiências, que devem se estender até março, os juízes decidirão sobre a responsabilidade da mineradora e, em caso positivo, analisarão os pedidos de indenização individual, o que pode levar até o final de 2026.
Existe um acordo entre a BHP Billiton e a Vale para que, em caso de condenação, cada uma arque com 50% dos valores fixados. O escritório Pogust Goodhead, que representa os atingidos, busca uma indenização de cerca de R$ 260 bilhões, a serem pagos à vista pelas mineradoras.
Divergências sobre os valores do acordo de repactuação
No acordo de repactuação, as mineradoras se comprometeram a destinar R$ 100 bilhões, sendo R$ 6,1 bilhões para 49 municípios em parcelas anuais por 20 anos. Essa divisão foi baseada em proposta do Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce). No entanto, muitas administrações consideram o montante insuficiente, como o prefeito de Mariana, Juliano Duarte, que critica o baixo valor (R$ 1,22 bilhão para seu município) e o longo parcelamento.
Segundo a Samarco, 12 municípios já aderiram ao novo acordo e receberam repasses que somam R$ 26,8 milhões em dezembro. Os recursos devem ser destinados a diversas iniciativas, como agropecuária, infraestrutura, cultura, turismo, educação, saneamento e saúde. Há diferenças entre os municípios reconhecidos pelo acordo e os que estão na ação inglesa.
Os quatro municípios que já desistiram da ação na Inglaterra são Córrego Novo (MG), Sobrália (MG), Conceição da Barra (ES) e São Mateus (ES). Além destes, a Samarco confirma que Ponte Nova (MG), que também buscava reparação na Inglaterra, formalizou a adesão à repactuação. Já o escritório Pogust Goodhead afirma que só recebeu quatro pedidos de desistência até o momento. A prefeitura de Ponte Nova não retornou ao contato da Agência Brasil para esclarecer se estava deixando o processo inglês.
Além dos cinco municípios, sete que já aderiram à repactuação – Iapu (MG), Santana do Paraíso (MG), Marliéria (MG), Anchieta (ES), Fundão (ES), Serra (ES) e Linhares (ES) – não estavam incluídos na ação que tramita na Inglaterra. A Samarco afirma que segue em diálogo com os demais municípios para viabilizar novos repasses e garantir uma reparação definitiva dos danos.
Municípios avaliam as opções
Muitos municípios pretendem utilizar todo o prazo disponível para tomar a decisão, avaliando tanto as possíveis melhorias do acordo de repactuação quanto o prognóstico do processo inglês. O prefeito de Colatina (ES), Renzo Vasconcelos, confirmou que ainda avalia as opções e se reuniu com representantes do escritório inglês e das empresas envolvidas no rompimento da barragem.
Os advogados das vítimas consideram que foram apresentadas evidências graves sobre falhas de governança e omissões de segurança da barragem durante o período anterior à tragédia. Segundo eles, a BHP já tinha ciência dos riscos desde 2014, mas não implementou medidas preventivas de evacuação.
Por sua vez, a BHP Billiton reitera que a ação na Inglaterra é desnecessária e prejudica processos judiciais no Brasil, os programas da Fundação Renova e o acordo recém-assinado no país.
Acordo de repactuação e suas controvérsias
O acordo de repactuação, costurado após três anos de discussões, busca oferecer respostas aos impasses e aos processos judiciais que questionam a atuação das mineradoras e da Fundação Renova. Este acordo extinguiu a Fundação Renova e estabeleceu novas medidas, contando com a participação de diversos órgãos de justiça e dos governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, mas sem representantes dos municípios e atingidos.
O Programa Indenizatório Definitivo (PID), parte do novo acordo, fixou indenizações de R$ 35 mil para danos morais e materiais de cada atingido, e R$ 95 mil para pescadores e agricultores. O PID deve ser implementado até abril, e os atingidos terão 90 dias para aderir. Para o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), o PID é um dos pontos mais críticos da repactuação, pois os valores indenizatórios estariam aquém do necessário.
Processo criminal em espera
Além das discussões sobre a reparação cível, o processo criminal também deve ser retomado após o recesso da Justiça Federal. O Ministério Público Federal (MPF) recorreu da decisão que absolveu todos os réus em novembro de 2024. Inicialmente com 22 réus, o processo viu alguns crimes prescreverem, e uma decisão judicial de 2019 trancou a ação penal por homicídio qualificado, mantendo apenas os crimes ambientais. A decisão de novembro absolveu os sete réus restantes e as três mineradoras, além da VogBr. O MPF contesta a decisão, afirmando que as omissões dos réus incrementaram os riscos e causaram os danos ambientais e às populações afetadas.
O julgamento na Inglaterra, que estava paralisado para o recesso de fim de ano, foi retomado em 13 de janeiro, reunindo cerca de 620 mil atingidos. Eles processam a BHP Billiton, com sede em Londres, por perdas de propriedades, renda, impactos psicológicos e dificuldades de acesso à água e energia elétrica.
No acordo de repactuação, as mineradoras se comprometeram a destinar R$ 100 bilhões. Entenda melhor sobre o Acordo de R$ 132 bilhões para reparar danos da barragem de Mariana é debatido na Câmara.
Quer receber as principais notícias do Portal N10 no seu WhatsApp? Clique aqui e entre no nosso canal oficial.