A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, apresentada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em 31 de outubro, tem gerado debates acalorados entre o governo federal, governadores e especialistas. A proposta, que visa dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (Susp), criado em 2018 pela Lei 13.675, também pretende unificar os Fundos Nacional de Segurança Pública e Penitenciário, e expandir as atribuições da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que seria renomeada para Polícia Ostensiva Federal.
Preocupações com a Centralização: Governadores demonstram preocupação com a possível perda de competências estaduais sobre segurança pública e as polícias civil e militar. O Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, garante que a PEC não afetará as competências estaduais, afirmando que a proposta “não mexe em uma vírgula na competência das polícias civis, na competência das polícias militares, no comando que os governadores têm sobre estas forças e também não tem nenhuma ingerência no que toca a direção das guardas municipais por parte dos prefeitos locais. Portanto, nós só estamos tratando das competências federais”.
Pontos de Contenção: Apesar das garantias do ministro, a proposta enfrenta resistência. O delegado André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp), critica a centralização do regramento das forças de segurança na União, e a imposição de normas federais a todas as polícias. Ele destaca a polêmica sobre a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais, argumentando que “a câmera pode ser uma ferramenta importante para redução da letalidade policial”, mas prevendo resistência por parte de policiais que podem se sentir inibidos.
Outras Críticas: A advogada Carolina Diniz, da ONG Conectas Direitos Humanos, teme que a unificação dos fundos leve à priorização da repressão policial em detrimento da ressocialização, resultando em um aumento do “Estado policial”. Já o psicólogo Adílson Paes de Souza, pós-doutorando na USP, considera a PEC “enganosa”, criticando a criação da Polícia Ostensiva Federal, alegando que “estamos reproduzindo o que nós temos nos estados e no Distrito Federal, que não é eficaz, que não é eficiente. Produz atrito, mas não produz segurança pública”. Ele também aponta a alta letalidade policial, com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicando um aumento de 188,9% entre 2013 e 2023.
Letalidade Policial e Rentabilidade Eleitoral: A antropóloga e cientista política Jacqueline de Oliveira Muniz destaca a relação entre letalidade policial e votos, afirmou que “boa parte dos estados produzem políticas de insegurança, porque têm elevada rentabilidade eleitoral.” Ela critica o foco em operações policiais de grande impacto midiático, em detrimento de ações preventivas e investigativas.
Sistema Único de Segurança Pública (Susp): Embora a proposta vise dar status constitucional ao Susp, especialistas como Jacqueline Muniz apontam que a PEC não se assemelha ao SUS, mantendo os “monopólios policiais”. Ela defende competências partilhadas entre União, estados e municípios para garantir a continuidade dos serviços em caso de crises.
Força Nacional: O sociólogo Luis Flávio Sapori, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, questiona a omissão da PEC em relação à Força Nacional de Segurança Pública, sugerindo sua transformação em “uma polícia efetiva e ostensiva de reserva”.
Próximos Passos: A Casa Civil aguarda contribuições dos governadores para encaminhar a PEC ao Congresso. Um novo encontro com os governadores está previsto para 10 de dezembro para fechar pontos de convergência.
Cidades com maiores taxas de letalidade policial (dados do FBSP): Jequié (BA) – 46,6 mortes/100 mil hab.; Angra dos Reis (RJ) – 42,4; Macapá (AP) – 29,1; Eunápolis (BA) – 29,0; Itabaiana (SE) – 28; Santana (AP) – 25,1; Simões Filho (BA) – 23,6; Salvador (BA) – 18,9; Lagarto (SE) – 18,7; Luís Eduardo Magalhães (BA) – 18,5.
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