Um novo plano nacional pretende reduzir significativamente os casos de câncer de colo de útero no Brasil nas próximas duas décadas. A iniciativa, que prioriza o rastreio, o tratamento e, principalmente, a vacinação contra o HPV, visa transformar a doença em algo residual até 2044. Atualmente, o câncer de colo de útero ocupa a terceira posição em prevalência entre os tumores femininos no país e é a quarta maior causa de morte, com cerca de 17 mil novos casos e aproximadamente 7 mil óbitos a cada ano.
Diagnóstico precoce e métodos inovadores: A maior parte dos diagnósticos (quase 65%) ocorre em estágios avançados da doença. Para mudar esse cenário, o plano prevê a implementação, no Sistema Único de Saúde (SUS), de um novo teste molecular para detecção do HPV, substituindo o tradicional exame citopatológico (preventivo ou papanicolau). Segundo o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Roberto Gil, “É um teste que te permite saber a persistência ou não do vírus. As pessoas se contaminam com o HPV com muita frequência, em idade precoce, provavelmente 90% da população. Normalmente, esse vírus desaparece, mas quando ele persiste, tem possibilidade maior de desenvolver doenças associadas, levando a lesões precursoras e ao próprio câncer de colo uterino”.
Testes-modelo da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que esses testes moleculares podem reduzir em 46% os casos de câncer e em 51% a mortalidade, resultados superiores aos do exame citopatológico. O público-alvo abrange mulheres e pessoas com útero de 25 a 64 anos, focando especialmente naquelas que nunca realizaram o exame preventivo. Para facilitar o acesso, o plano inclui a implementação da autocoleta, permitindo que a paciente colete o material para análise sem a necessidade de consulta ginecológica. Essa metodologia já está em fase de testes em Pernambuco e São Paulo e deve ser expandida gradualmente para o Norte e Nordeste, regiões com maiores índices de mortalidade.
Tratamento oportuno: Além do rastreio tardio, o plano também aborda a demora no início do tratamento. Embora a lei determine o início do tratamento em até 60 dias, cerca de metade das pacientes nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste só iniciam o tratamento após esse prazo. A situação é mais grave na região Norte, onde em 65% dos casos o tratamento só começa após dois meses do diagnóstico. Essa demora impacta diretamente na taxa de mortalidade, que ultrapassa 15% na região Norte, valor bem superior à média nacional de 6%.
Ações estratégicas para o combate: A OMS recomenda o rastreio de pelo menos 70% das mulheres com testes de alta performance, seguido do tratamento rápido de 90% dos casos positivos para HPV. O percurso ideal, segundo o diretor do INCA, inicia com o teste para detecção do vírus, seguido de colposcopia para avaliação de lesões e biópsia, se necessário. Lesões precursoras devem ser tratadas com excisão, e casos de adenocarcinoma devem ser encaminhados para serviços de alta complexidade. Para atingir as metas da OMS, o Brasil precisará aumentar significativamente o número de colposcopias (em pelo menos 56%) e de biópsias (em mais de 600%).
Vacinação: a chave para a eliminação: A eliminação do câncer de colo de útero depende da redução de novas infecções pelo HPV, o que se consegue através da vacinação. A meta é alcançar 90% do público-alvo (meninas e meninos de 9 a 14 anos). O SUS também oferece a vacina para pessoas imunodeprimidas, vítimas de violência sexual e usuários de PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV) com até 45 anos. Uma estratégia de resgate para jovens de até 19 anos que não foram vacinados na idade adequada também foi lançada pelo Ministério da Saúde. Segundo o diretor do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Eder Gatti, “Esse é o público que ainda não entrou na vida sexual, ou seja, ainda não se expôs ao vírus. É o público que tem o maior risco e, ao mesmo tempo, a melhor oportunidade de se proteger. Por uma questão de direcionamento dos esforços, considerando que o PNI é uma ação programática e preventiva, escolhemos esse grupo alvo de 9 a 14 anos. Quanto mais tempo passa na vida da pessoa, maior o risco de ela já ter vivido situações de exposição ao HPV, que é um vírus muito comum. Então, em termos de resultado, acaba sendo melhor direcionar para os adolescentes.”
A vacinação contra HPV completa dez anos em 2024 e, desde então, tem ampliado seu público-alvo. Em 2023, a cobertura vacinal entre meninas atingiu 81,1% no Brasil, com variações significativas entre os estados (96% no Paraná e menos de 43% no Acre). A cobertura entre os meninos é ainda mais preocupante, com média nacional de 56,9% e apenas 25% na região Norte. O PNI lançará uma nova ferramenta para monitorar a aplicação da vacina, com dados detalhados por faixa etária. Desde abril de 2024, o esquema vacinal passou a ser de apenas uma dose, seguindo recomendação da OMS.
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