O corpo humano, com toda sua complexidade, pode manifestar mecanismos de defesa surpreendentes em circunstâncias incomuns. Um exemplo notável é o litopedion, popularmente conhecido como 'bebê de pedra'. Este fenômeno raro ocorre quando um feto que se desenvolve fora do útero, em uma gravidez abdominal, passa por um processo de calcificação após o óbito, transformando-se em uma estrutura rígida.
Em uma gravidez abdominal, o óvulo fertilizado se implanta e começa a se desenvolver fora do útero, frequentemente na cavidade abdominal. Essa condição é extremamente perigosa e pode ser fatal. Em uma pequena porcentagem desses casos, quando o feto não sobrevive, o corpo da mulher reage de uma maneira peculiar: o feto é impregnado com cálcio, um mineral metálico essencial para a formação dos ossos, em um processo denominado calcificação. Essa ação do corpo isola o feto, prevenindo infecções graves como a sepse.
O termo oficial para esse feto calcificado é litopedion, derivado do grego antigo, que significa 'bebê de pedra'. A raridade do fenômeno é tamanha que apenas algumas centenas de casos foram documentados ao longo da história. O que torna o litopedion ainda mais singular é sua capacidade de permanecer indetectado por muitos anos, até mesmo décadas, dentro do corpo da mulher. Em muitos casos, a descoberta ocorre apenas na menopausa, ou até mesmo em autópsias após a morte. Mulheres podem ter outras gestações e partos sem jamais saberem da existência desses restos fetais calcificados.
Estima-se que o litopedion ocorra em 1,5% a 1,8% das gravidezes abdominais, embora a quantidade de casos documentados seja bem menor. A gravidez abdominal é um tipo de gravidez ectópica, onde a implantação do embrião ocorre fora do útero. A localização mais comum de uma gravidez ectópica é na tuba uterina, mas pode ocorrer também no ovário ou no colo do útero. Cerca de 2% das gravidezes são ectópicas, e destas, entre 0,6% e 4% são abdominais. Apesar de serem perigosas, em situações excepcionais, uma gravidez abdominal pode resultar no nascimento de um bebê vivo, geralmente prematuro.
Um estudo de 2023 estima que 208 milhões de gestações ocorram anualmente em todo o mundo. Baseando-se nessas estimativas e nas menores taxas de gravidez abdominal e litopedion, espera-se que aproximadamente 374 gestações resultem em um 'bebê de pedra' a cada ano. Contudo, um estudo de 2019, aponta que menos de 300 litopedions foram documentados em 400 anos de história.
Existem relatos de litopedions encontrados em locais de sepultamentos antigos, com o caso mais antigo conhecido datando de 1100 a.C. Uma análise de 1949, que revisou 128 casos, revelou que a idade média da mãe ao descobrir um litopedion é de 55 anos. Um relato de caso de 1996 descreve a descoberta de um litopedion em uma paciente de 85 anos que teve um aborto incompleto aos 41, e que havia tido outros quatro filhos anteriormente. Outros casos incluem pacientes de 80 anos (2000), 77 anos (2014) e uma mulher de 87 anos, descoberta em uma autópsia (2016).
O avanço dos cuidados ginecológicos e obstétricos tem levado a uma diminuição na ocorrência do litopedion. As gravidezes abdominais são detectadas e tratadas precocemente, antes que o feto atinja o ponto de calcificação. Mesmo sendo um evento raro, o litopedion oferece uma janela para a complexidade do corpo humano e sua capacidade de se proteger em circunstâncias extremas. Para mais informações sobre gravidez ectópica, acesse este link, e para entender mais sobre a gravidez ectópica, leia este artigo. Para saber mais sobre a taxa de gravidez ectópica abdominal acesse este estudo.
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