O papado de Francisco, iniciado em 2013, marcou uma era de transformações na Igreja Católica, em um período onde a instituição enfrentava uma severa crise de confiança, agravada por escândalos de abusos sexuais e corrupção. A eleição de Francisco representou uma tentativa de renovar a imagem da Igreja e enfrentar os problemas que haviam sido encobertos por décadas.
João Décio Passos, doutor em Ciências Sociais e livre-docente em Teologia na PUC-SP, autor de “A igreja em saída e a casa comum: Francisco e os desafios da renovação“, resume o impacto do pontificado: “Francisco foi eleito para reformar uma Igreja em crise, exposta a desconfianças, julgamentos“. Para Passos, a renúncia de Bento XVI revelou a fragilidade da Igreja, exigindo uma figura externa para restaurar sua imagem.
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Segundo Passos, Francisco conseguiu ir tão longe quanto possível, equilibrando as expectativas de reformadores e conservadores: “Para os reformadores, ele poderia ter ido mais longe; para os conservadores, ele ultrapassou todos os limites imagináveis“.
Combate aos abusos sexuais
Um dos principais desafios enfrentados por Francisco foi a crise dos abusos sexuais. Adotando uma política de tolerância zero, implementou medidas rigorosas para responsabilizar a hierarquia da Igreja.
Entre as ações implementadas, destaca-se a assinatura do decreto papal “Vos estis lux mundi” em 2019, que tornou obrigatória a denúncia de suspeitas de abusos sexuais às autoridades eclesiásticas. Em 2021, a legislação do Vaticano foi alterada para criminalizar explicitamente o abuso sexual de adultos e responsabilizar casos de omissão e negligência.
Em 2023, o decreto de 2019 foi ampliado, tornando definitivas as medidas que obrigam padres a relatar qualquer suspeita de abuso e responsabilizando bispos diretamente por acobertarem casos. Em setembro de 2024, Francisco reafirmou que “a Igreja deve ter vergonha e pedir perdão. Tentar resolver esta situação com humildade cristã e fazer todo o possível para que não volte a acontecer“.
Francisco também insistiu que todos os crimes devem ser respondidos civilmente, rompendo com a antiga prática de tratar esses casos apenas internamente.
João Décio Passos ressalta a abrangência da reforma implementada por Francisco: “Ele fez uma reforma geral na Igreja Católica, não apenas uma renovação disciplinar. Ele enrijeceu as regras de pedofilia e expôs a velha cultura católica de esconder, ocultar, apaziguar os escândalos. Ele não teve receio de enfrentar de frente cardeais, bispos, padres“.
Nomeação de Cardeais das “Periferias”
Francisco também se destacou por promover a inclusão e diversidade dentro da hierarquia da Igreja. Ele descentralizou a nomeação de cardeais, escolhendo muitos de regiões periféricas e menos representadas, como América Latina, Ásia e África. Em 2016, ordenou cardeais do Lesoto, Papua-Nova Guiné, Ilhas Maurício, Bangladesh e Malásia, países que tiveram pela primeira vez alguém em tal posto.
Essa estratégia diversificou o colégio de cardeais e preparou o terreno para um futuro conclave mais plural e menos previsível. “Hoje temos um quadro de cardeais muito plural e na hora de eleger o próximo papa, não haverá uma unanimidade previamente construída“, observa Passos.
Francisco nomeou mais de 160 cardeais ao longo de seu papado. No total, o colégio dos cardeais tem 252 clérigos, dos quais 138 são elegíveis para votar no próximo conclave.
Posição sobre o aborto
A postura de Francisco em relação ao aborto sempre foi clara e firme. Ele considera o aborto um crime e frequentemente comparou a prática a “contratar um sicário para resolver um problema”. No entanto, Francisco também reconheceu a necessidade de apoiar as mulheres em situações difíceis, enfatizando que a Igreja deve acompanhar e acolher essas mulheres com compaixão.
“Não se deve esperar que a Igreja altere sua posição sobre esta questão. Este não é um assunto sujeito a supostas reformas ou ‘modernizações’. Não é opção progressista pretender resolver os problemas, eliminando uma vida humana. Mas é verdade também que temos feito pouco para acompanhar adequadamente as mulheres que estão em situações muito duras“, afirmou Francisco em diversas ocasiões.