O texto que você vai ler agora é de autoria de Francisco das Chagas Rocha, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e filho de Cruzeta.
Com sensibilidade e respeito pela memória popular do nosso sertão, Francisco resgata uma figura lendária do Seridó potiguar: Benedito Acelera. A coluna Panorama, que assino no Portal N10, tem a honra de abrir espaço para este resgate cultural tão importante para a valorização da nossa história regional.
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Benedito Acelera: O Gigante de Passos Ligeiros
Na poeira quente do Seridó, onde o sol tinge de ouro o casario e os ventos contam histórias que o tempo esquece, viveu um homem que parece saído das páginas de um romance de realismo mágico: Benedito Serafim — ou como a boca do povo eternizou, Benedito Acelera.
Chegou em Acari pelos idos de 1920, vindo das bandas de Jardim do Seridó, do lugar “Os Verdes”, nascido do ventre de Maria da Conceição e Antônio Serafim dos Anjos, gente direita, de irmandades e ladainhas. Mas o destino de Benedito se fez outro: o das estradas de chão, das cargas impossíveis, dos feitos que misturam realidade e lenda.
Era negro, forte como um touro, com mais de cem quilos de pura fibra sertaneja. Sua figura impunha: paletó arregaçado, calças dobradas nas virilhas, barriga avantajada à mostra, chinelas gastas, lamparina numa mão e o saco sujo noutra. O olhar era desconfiado, a fala baixa, e a raiva vinha fácil quando ouvia o apelido que o acompanharia até a morte: “Acelera”. Bastava alguém juntar isso ao seu nome, e o homem virava um vendaval de palavrões e fúria, como se o nome fosse ofensa, e não homenagem ao seu passo ligeiro que fazia poeira levantar pelas ruas das feiras.
Antônio Othon Filho, em seu livro Meio Século da Roça à Cidade, nos conta — lá pela página 167 — que Benedito era um guindaste humano. Carregava sacas, fardos, pedras, mesas de bilhar como quem leva o almoço debaixo do braço. Uma vez, carregou uma dessas mesas — pesando mais de 300 quilos — da sua terra natal até Parelhas, onde a entregou com a humildade de quem fez um favor qualquer. Quando soube que o frete não havia sido pago, simplesmente ergueu de novo a carga e voltou no mesmo passo ligeiro, como quem carrega o próprio destino na cabeça.
Mas sua força hercúlea não era maior que sua fome. Oh, que fome. Comer por seis era pouco. Em Cerro Corá, engoliu 50 bananas, 50 pães de mil-réis, dois canecões d’água e ainda lambuzou os beiços com duas latas de doce. Em São Rafael, atacou doze tigelas de coalhada com jerimum e batata. E em Cruzeta, devorou um carneirote quase inteiro — só não acabou por causa da coalhada que o esperava depois.
Meu pai contava que, quando era criança, um dia o viu sentado numa pedra, ao entardecer, comendo manga como quem desfiava rosário. Era um espetáculo ver aquele homem bruto mastigar, o suco escorrendo pelo queixo, a paz estampada nos olhos pequenos e fundos. Era como se cada fruta o aliviasse da dureza da vida.
Mas nem toda força sustenta um corpo que vive à margem. Benedito Acelera foi explorado, zombado, usado como bicho de carga por muitos que se aproveitaram de sua ingenuidade. Seu corpanzil escondia a alma simples, quase infantil. Dizem que era “fraco das ideias”, mas forte no coração.
Morreu na rua, em Parelhas, por volta de 1965 ou 66. Sem glória, sem despedida. Mas o Seridó não esqueceu. Não esquece. Nas rodas de conversa, nas páginas dos livros, nos causos que resistem à morte, Benedito vive.
Não há outro igual. Nem terá.
O guindaste sertanejo. O Hércules dos Sertões.
Nosso Benedito Acelera.
Francisco das Chagas Rocha
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso e filho de Cruzeta
Fontes pesquisadas:
- José Nilton Azevedo – Um passo a mais na História de Jardim do Seridó.
- Antonio Othon Filho – Meio Século da Roça à Cidade – pág. 167
- Céssio Pereira – Historiador Cruzetense.
- Jesus de Ritinha de Miúdo – Escritor de Acari.