Em 2022, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) percorreu o Brasil com uma promessa que rapidamente ganhou apelo simbólico: “o povo vai voltar a comer picanha e tomar cerveja gelada.” A fala, repetida em palanques, vídeos e jingles, virou meme, marketing e, para muitos, esperança.
Dois anos depois, a realidade no açougue é outra: a picanha acumula alta de 15,6% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE. E o problema vai além do corte nobre. Carnes mais populares, como patinho e acém, tiveram aumentos ainda maiores — 24% e 25%, respectivamente. Até os ovos, tradicional alternativa na mesa dos brasileiros, subiram 16,7%.
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Os números vieram à tona junto com o IPCA de abril (alta de 0,43%), divulgado nesta sexta-feira (9), e ajudam a entender por que a inflação dos alimentos voltou a ser um tema central no Palácio do Planalto.
Cesta básica longe do palanque
A inflação acumulada em 12 meses chegou a 5,53%, quase o dobro da meta oficial do Banco Central, que é de 3%. E se a média já preocupa, o impacto real no bolso é ainda mais severo para quem gasta grande parte da renda com alimentação.
Em estados do Nordeste, como o Rio Grande do Norte, a situação é ainda mais grave. A renda média per capita nas periferias de cidades como Mossoró, Parnamirim e Natal não permite escolher entre cortes de carne — o que vale é se tem carne ou não.
A promessa da picanha virou, para muitos, um símbolo do que não veio.
Medidas do governo não surtiram efeito
O Planalto sabe que o tema é sensível. Em março, o governo Lula anunciou um pacote de medidas para tentar conter a inflação dos alimentos, incluindo a isenção do imposto de importação de produtos como carne, café e açúcar.
Mas a medida, segundo analistas, tem efeito prático quase nulo. O Brasil é um dos maiores produtores desses itens e importa muito pouco — ou seja, a isenção fiscal não chega ao consumidor.
A esperança, agora, está depositada em dois fatores: uma supersafra agrícola prevista para este ano e a valorização do real frente ao dólar. Em tese, isso poderia baratear os custos de produção e reduzir o preço dos alimentos. Mas os efeitos só devem aparecer no segundo semestre — se vierem.
Imagem em risco, discurso desgastado
Do ponto de vista político, o impacto vai além da carne. A alta no preço dos alimentos afeta diretamente a popularidade do presidente, que vinha numa curva ascendente após o início de novos programas sociais e investimentos em obras federais.
Agora, com o prato mais caro, o humor das ruas começa a mudar. A classe trabalhadora que apostou no retorno de Lula começa a comparar promessas e realidade — e isso nunca é confortável para um governo em exercício.
A picanha como termômetro social
Há quem diga que prometer picanha foi um erro de comunicação, por ser facilmente mensurável. Mas há também quem reconheça o acerto simbólico: poucas frases conectaram tão diretamente com o imaginário popular como essa.
Só que a cobrança veio — e com razão. Porque para milhões de brasileiros, a carne continua um luxo.
Nas redes sociais, a narrativa já se inverte: o que era esperança, virou cobrança. E o governo precisa lidar com isso com mais do que frases de efeito ou gráficos do futuro. É preciso ação concreta, fiscalização da cadeia de distribuição, apoio à produção local e medidas que impactem o bolso — não só o discurso.
A picanha pode voltar — mas com política real
Não se trata de deslegitimar os avanços do governo. O país retomou a agenda de crescimento, investimentos estruturantes foram anunciados e programas sociais foram reativados com orçamento ampliado. Mas nada disso se sustenta com inflação corroendo o básico da geladeira.
A picanha, neste contexto, é mais que um corte de carne. É um símbolo de dignidade, de retomada, de poder de compra. É isso que está em jogo — e o Planalto sabe disso.
Se Lula quiser manter o capital político que o levou ao terceiro mandato, terá que entregar mais do que metáforas bem colocadas. Terá que devolver ao povo o que prometeu em cada churrasco improvisado de campanha: comida na mesa, com qualidade e preço justo.