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Neuropsicólogos explicam a ciência por trás da série ‘Ruptura’ da Apple TV+

Seria realmente possível dividir a mente de uma pessoa em duas?

A série de ficção científica Ruptura (Severance), que explora um mundo onde a vida profissional e pessoal são cirurgicamente separadas, está prestes a retornar para sua segunda temporada na Apple TV+. Embora o conceito pareça distante da realidade, ele aborda aspectos intrigantes da neurociência.

Surpreendentemente, pacientes com “cérebro dividido” existem desde a década de 1940. Para controlar os sintomas da epilepsia, esses pacientes foram submetidos a cirurgias para separar os hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Procedimentos semelhantes ainda são realizados hoje em dia. Pesquisas posteriores revelaram que os hemisférios separados de pacientes com cérebro dividido conseguem processar informações de forma independente. Isso levanta a possibilidade desconfortável de que esse procedimento possa criar duas mentes distintas habitando o mesmo cérebro.

Na primeira temporada de Ruptura, Helly R (interpretada por Britt Lower) vivencia um conflito entre seu “interno” (o lado da mente que se lembra de sua vida profissional) e seu “externo” (o lado de fora do trabalho). De maneira similar, existem evidências de conflitos entre os dois hemisférios em pacientes reais com cérebro dividido.

Ao se comunicar com esses pacientes, geralmente se interage com o hemisfério esquerdo do cérebro, que controla a fala. No entanto, alguns pacientes conseguem se comunicar através do hemisfério direito escrevendo ou organizando letras do jogo Scrabble. Um paciente jovem, por exemplo, expressou sua preferência por um emprego de escritório fazendo desenhos técnicos com o hemisfério esquerdo, enquanto seu hemisfério direito manifestou o desejo de ser um “piloto de automóveis”.

Pacientes com cérebro dividido também relataram a chamada “síndrome da mão alienígena”, onde uma de suas mãos parece se mover por vontade própria. Essas observações sugerem que duas “pessoas” conscientes separadas podem coexistir em um único cérebro, com objetivos conflitantes. Em Ruptura, entretanto, tanto o interno quanto o externo têm acesso à fala, indicando que o procedimento de “ruptura” envolve uma separação mais complexa das redes cerebrais.

Um exemplo dessa separação complexa é o caso de Neil, um adolescente que enfrentou dificuldades após um tumor na glândula pineal. Ele desenvolveu uma forma rara de amnésia, perdendo a capacidade de recordar os eventos do seu dia e o que aprendeu na escola. Embora não pudesse ler, Neil era capaz de escrever e, apesar de não conseguir nomear objetos, podia desenhá-los.

Surpreendentemente, Neil conseguia acompanhar os estudos. Ao ser questionado sobre um livro que estava estudando, ele não se lembrava de nada sobre a obra, nem mesmo do título. No entanto, ao ser solicitado a escrever tudo o que se recordava sobre o livro, ele escreveu palavras relacionadas à história. O mais impressionante é que Neil não tinha consciência das memórias até que as escrevia e as ouvia em voz alta, demonstrando que é possível ter memórias ricas que são inacessíveis à nossa consciência.

Irving interpretado por John Turturro
Irving (interpretado por John Turturro) consegue acessar as memórias do seu interno através da pintura (Foto: Divulgação/Apple TV)

Na série, Irving (interpretado por John Turturro) consegue acessar as memórias do seu interno através da pintura, retratando os longos corredores do local de trabalho, apesar de não ter lembrança consciente deles. É possível que o procedimento de ruptura bloqueie o acesso consciente à memória de maneira semelhante ao que aconteceu com Neil.

Um dos locais do cérebro mais associados à memória dos eventos diários é o hipocampo, que também está relacionado com a representação espacial. O fato de essa mesma estrutura neural ser responsável tanto pela memória de fatos quanto pela representação do espaço sugere que o hipocampo pode ser um alvo interessante para o procedimento fictício da série. Em Ruptura, a transição entre o interno e o externo acontece na entrada do escritório, uma situação que lembra o “efeito portal”, onde atravessar uma porta pode levar ao esquecimento.

O hipocampo segmenta nossa experiência em episódios para que sejam recuperados posteriormente. A entrada em um novo espaço sinaliza o início de um novo episódio, o que leva ao esquecimento das informações entre episódios. No entanto, é improvável que um corte simples no hipocampo cause os efeitos dramáticos observados na série.

A primeira falha é que, em Ruptura, não apenas a memória espacial e episódica são divididas, mas também o conhecimento semântico e as memórias emocionais. Essas formas de memória dependem de muito mais do que o hipocampo, que faz parte de uma rede cerebral muito mais ampla. A segunda falha é que a memória está ligada à percepção, atenção, linguagem e outros processos. O sistema de memória humana é complexo demais para ser dividido em dois – mas, como mostra Ruptura, é divertido imaginar as possibilidades.

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Romário Nicácio

Administrador de redes, estudante de Ciências e Tecnologia (C&T) e Jornalismo, que também atua como redator de sites desde 2009. Co-fundador do Portal N10 e do N10 Entretenimento, com um amplo conhecimento em diversas áreas. Com uma vasta experiência em redação, já contribuí para diversos sites de temas variados, incluindo o Notícias da TV Brasileira (NTB) e o Blog Psafe. Sua paixão por tecnologia, ciência e jornalismo o levou a buscar conhecimentos nas áreas, com o objetivo de se tornar um profissional cada vez mais completo. Como co-fundador do Portal N10 e do N10 Entretenimento, tenho a oportunidade de explorar ainda mais minhas habilidades e se destacar no mercado, como um profissional dedicado e comprometido com a entrega de conteúdo de qualidade aos seus leitores. Para entrar em contato comigo, envie um e-mail para [email protected].

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