A Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento mais traduzido do mundo, completou 76 anos neste mês. Embora amplamente reconhecida como base para os direitos humanos, um de seus artigos, o de número 27, que trata do direito à ciência, frequentemente passa despercebido.
O Artigo 27 declara: “Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.”
Este direito levanta questionamentos, especialmente em um contexto de cortes de financiamento para a ciência e aparente descaso com evidências científicas na resolução de problemas globais, como a mudança climática.
A evolução do direito à ciência
A interpretação do direito à ciência evoluiu significativamente na última década. Inicialmente, era visto como o direito dos cientistas de conduzir pesquisas e o direito do público de acessar e se beneficiar delas. No entanto, essa visão gerou conflitos, como o potencial de pesquisas prejudicarem comunidades afetadas pela perda de patrimônio, identidade ou meios de subsistência. Alguns estudiosos defendem a inclusão de um dever de antecipar e mitigar tais tensões.
Outro ponto de discussão é a necessidade de equidade na condução de pesquisas, para que os seus benefícios não aprofundem desigualdades. Além disso, surge a questão da participação do público, não apenas como beneficiário, mas como parte ativa na ciência e nas decisões sobre as pesquisas. Um exemplo disso é o reconhecimento dos povos indígenas como produtores de conhecimento, como os povos originários da Austrália, considerados os Primeiros Astrônomos.
O direito à ciência como força motriz da curiosidade
O direito à ciência também é um direito cultural. Farida Shaheed, ex-relatora especial das Nações Unidas para os Direitos Culturais, destacou a ligação intrínseca entre o direito à ciência e o direito à cultura, ambos proporcionando condições para que as pessoas reconsiderem, criem e contribuam para significados, expressões ou manifestações culturais e modos de vida.
Essa perspectiva ressalta o papel da curiosidade e da imaginação no direito à ciência, podendo inspirar uma nova ética de pesquisa voltada para o planeta.
Curiosidade em tempos de crise
A relação entre ciência e políticas públicas está em um momento crucial. Governos frequentemente justificam o apoio à pesquisa com base em competitividade geopolítica e sucesso comercial, especialmente em “tecnologias críticas” como a computação quântica.
Contudo, o mundo enfrenta crises interconectadas de mudança climática, poluição, perda de biodiversidade e desigualdades crescentes. A resposta a esses desafios exige a inclusão de toda a humanidade e espaço para que pesquisadores explorem diferentes futuros e caminhos para construí-los.
A iniciativa Science Missions for Sustainability do Conselho Internacional de Ciências enfatiza que os objetivos da Agenda 2030 da ONU não serão alcançados com pensamento isolado ou apenas com novas tecnologias. É fundamental a colaboração entre todas as disciplinas para gerar conhecimento prático e soluções para os desafios planetários.
A história demonstra que mundos são criados e transformados não apenas por tecnologias e soluções de mercado, mas também por cultura e inovação social. O direito à ciência estimula a reflexão profunda, criativa e curiosa sobre essas interrelações no desenvolvimento de políticas de pesquisa.
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