Base secreta da Guerra Fria reaparece sob o gelo da Groenlândia

Cientistas da NASA fizeram uma descoberta surpreendente durante uma missão de medição do gelo ártico na Groenlândia: a redescoberta de Camp Century, uma base militar secreta da Guerra Fria, enterrada sob 30 metros de gelo.

Utilizando um radar de abertura sintética (UAVSAR) acoplado a um jato Gulfstream III, os pesquisadores obtiveram imagens detalhadas da base, revelando estruturas antes invisíveis. “Estávamos procurando o leito de gelo e, de repente, apareceu Camp Century“, disse Alex Gardner, cientista criosférico do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. “Nós não sabíamos o que era a princípio“.

Construída entre 1959 e 1960 pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA, Camp Century consistia em um sistema de 21 túneis com 3 quilômetros de extensão, abrigando até 200 soldados e projetada para abrigar até 600 mísseis balísticos de médio alcance com ogivas nucleares. Devido ao seu isolamento, a base era alimentada por um reator nuclear.

A base era a primeira fase do Projeto Iceworm, um ambicioso plano para criar uma rede de silos de lançamento nuclear resistentes a ataques. No entanto, a instabilidade da camada de gelo levou ao abandono da base em 1967 após apenas oito anos de operação. A base foi simplesmente abandonada, deixando para trás milhares de toneladas de resíduos, incluindo material radioativo, 200.000 litros de combustíveis fósseis e 24 milhões de litros de outros resíduos líquidos, como esgoto.

A preocupação atual reside no derretimento acelerado da camada de gelo da Groenlândia. Estudos indicam que o derretimento do gelo pode liberar esses resíduos no meio ambiente, contaminando o solo e possivelmente o oceano. “Em novos dados, estruturas individuais na cidade secreta são visíveis de uma forma que nunca foram vistas antes“, afirmou Chad Greene, também cientista criosférico do JPL da NASA.

Imagens de radar anteriores já mostravam indícios da base, mas a resolução do UAVSAR permitiu uma visualização muito mais detalhada. A perda de volume das plataformas de gelo da Groenlândia desde 1978 chega a 35%, e a taxa de derretimento é preocupante, acelerando o risco de contaminação. O derretimento da geleira e a consequente elevação do nível do mar poderiam acelerar a contaminação pelos resíduos deixados para trás.

Apesar da descoberta, a pesquisa atual se concentra na medição da espessura da camada de gelo para melhor entender o impacto do derretimento no nível do mar. “Sem o conhecimento detalhado da espessura do gelo, é impossível saber como as camadas de gelo irão responder aos oceanos e à atmosfera que estão esquentando rapidamente, limitando muito nossa capacidade de projetar as taxas de aumento do nível do mar“, afirma Gardner. A análise das imagens de Camp Century não tem como objetivo imediato a resolução do problema ambiental, mas sim o monitoramento da evolução do derretimento e de suas implicações.

A descoberta ressalta a necessidade de uma análise mais aprofundada das consequências de decisões passadas e a urgência de se desenvolver estratégias para lidar com os desafios ambientais relacionados ao derretimento das calotas polares.