Um aumento repentino e extraordinário no calor global tem deixado cientistas perplexos, levando o clima a um território desconhecido. Nos últimos dois anos, recordes de temperatura foram repetidamente quebrados, desafiando as previsões científicas mais avançadas sobre o funcionamento do clima.
Embora a queima de combustíveis fósseis seja apontada como a principal causa do aquecimento global a longo prazo, e a variabilidade climática natural influencie as temperaturas anualmente, a atual onda de calor excepcional levanta questões sobre outros fatores contribuintes. Especialistas consideram mudanças nos padrões de nuvens, poluição atmosférica e a capacidade da Terra de armazenar carbono como possíveis elementos a serem investigados, mas será necessário mais tempo para obter uma imagem mais clara.
Gavin Schmidt, diretor do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, expressou surpresa diante do fenômeno. “O aquecimento em 2023 superou qualquer outro ano, e 2024 também será assim. Gostaria de saber o porquê, mas não sei”, afirmou o especialista, admitindo que o processo de avaliação ainda está em curso para determinar se há uma mudança no funcionamento do sistema climático.
Território Desconhecido
A elevação das emissões de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂), provenientes da queima de combustíveis fósseis, tem intensificado o aquecimento global. A média de CO₂ atingiu 424 ppm em outubro de 2024, um aumento notável em relação aos 397 ppm registrados em outubro de 2014, conforme dados preliminares da NOAA (gml.noaa.gov/ccgg/trends/).
Entre junho de 2023 e setembro de 2024, as temperaturas globais registraram níveis sem precedentes, superando as médias em margens consideráveis. Este aumento de calor tornou 2023 e 2024 os anos mais quentes da história. Richard Allan, cientista climático da Universidade de Reading, no Reino Unido, declarou que o calor global colocou o planeta em “território desconhecido”. Sonia Seneviratne, climatologista da ETH Zurich, na Suíça, acrescentou que as temperaturas atingiram o “limite do que seria esperado com base nos modelos climáticos existentes”.
Dificuldade em Explicar
A variabilidade climática, como o fenômeno La Niña de três anos que antecedeu 2023 (com efeito de resfriamento), e a posterior transição para o El Niño (com efeito de aquecimento), ajudam a explicar parte do fenômeno. No entanto, o calor persistiu mesmo após o pico do El Niño em janeiro, com as temperaturas caindo mais lentamente do que subiram. Robert Vautard, membro do painel climático da ONU, IPCC, destacou a dificuldade em explicar a situação atual, ressaltando a necessidade de mais tempo e perspectiva. Ele acrescentou: “Se as temperaturas não caírem mais acentuadamente em 2025, realmente teremos que nos questionar sobre a causa”.
A Busca por Respostas
Cientistas exploram outras possíveis causas, incluindo a mudança global para combustíveis marítimos mais limpos em 2020, que pode ter reduzido as emissões de enxofre e consequentemente a formação de nuvens refletoras de luz solar, bem como a redução de nuvens baixas, que poderiam estar permitindo que mais calor atingisse a superfície da Terra. Outras hipóteses, como ciclos solares e atividade vulcânica, também estão sendo investigadas.
A falta de clareza em relação ao atual cenário climático preocupa especialistas, que temem que transformações mais profundas no clima possam estar passando despercebidas. Seneviratne alertou: “Não podemos excluir que alguns outros fatores também tenham amplificado ainda mais as temperaturas… o veredito ainda não foi dado”.
Um estudo de 2023 alertou para um “enfraquecimento sem precedentes” dos sumidouros de carbono da Terra, como florestas e oceanos, e a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) indicou que a tundra ártica, anteriormente um depósito de CO₂, agora está se tornando uma fonte de emissões. Além disso, os oceanos, que atuam como reguladores climáticos, estão aquecendo a uma taxa que os cientistas não conseguem explicar completamente, levantando preocupações sobre a resiliência do planeta. Segundo Johan Rockstrom, do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre Impacto Climático, “poderia este ser um primeiro sinal de um planeta a começar a mostrar uma perda de resiliência? Não podemos excluí-lo”.
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