Brasil foi descoberto no Rio Grande do Norte? Estudo da UFRN reacende polêmica e desafia versão oficial

Brasil foi descoberto no Rio Grande do Norte? Estudo da UFRN reacende polêmica e desafia versão oficial
Pesquisadores cruzam mapas e ventos para defender teoria - Arte: Aurélio de Figueiredo

Em 22 de abril de 1500, exatamente há 525 anos, uma esquadra portuguesa avistava terras até então desconhecidas no Atlântico Sul — episódio que viria a marcar a chegada oficial da missão comandada por Pedro Álvares Cabral às terras que, mais tarde, seriam chamadas de Brasil.

Desde os primeiros registros históricos, o imaginário nacional passou a associar o local de chegada dos europeus a Porto Seguro, no atual estado da Bahia, sendo essa a versão consolidada nos livros escolares, amplamente difundida e repetida ao longo de gerações. Agora, no entanto, uma nova pesquisa reacende um debate antigo e lança novas luzes sobre esse ponto de partida, defendendo que o desembarque português teria ocorrido, na verdade, no litoral do Rio Grande do Norte.

O estudo, publicado recentemente no periódico científico Brazilian Journal of Science, reúne dados físicos, mapas digitais, imagens de satélite e reinterpretações históricas para sustentar que a região mais provável de chegada da frota de Cabral não foi a Bahia, mas sim o atual litoral potiguar. Liderado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o trabalho propõe uma releitura de documentos do século XVI sob a ótica das evidências geográficas, oceanográficas e físicas modernas, oferecendo uma nova explicação para a rota seguida pelos portugueses em sua travessia do Atlântico.

Mapas digitais e registros históricos sugerem que o Brasil foi descoberto no RN, não na Bahia
Representação de antiga rota marítima transatlântica guiada por ventos e correntes, usada para ligar a África ao Brasil – Imagem: Autores

A inspiração para o estudo partiu da análise aprofundada da carta escrita por Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota, em que ele descreve não apenas aspectos culturais e sociais do primeiro contato com os povos nativos, mas também detalhes técnicos, como distâncias, profundidades do mar e a presença de uma montanha de forma arredondada vista a partir do navio. Com base nesses dados, os autores cruzaram informações descritas na carta com medições contemporâneas, utilizando softwares especializados e imagens de satélite. Os resultados apontaram para uma correspondência mais precisa com o litoral potiguar, em uma faixa compreendida entre a praia do Marco, no município de Pedra Grande, e a praia de Zumbi, no município de Rio do Fogo, já na altura da foz do rio Punaú.

A pesquisa foi conduzida pelos físicos Carlos Chesman, da UFRN, e Cláudio Furtado, da UFPB, que recorreram a conceitos da física para analisar a trajetória da frota portuguesa. Um dos principais fundamentos da pesquisa é o efeito Coriolis — fenômeno decorrente da rotação da Terra, que influencia ventos e correntes marítimas ao redor do planeta. Esse efeito faz com que as correntes oceânicas girem no sentido horário no hemisfério norte e em sentido anti-horário no hemisfério sul. Segundo os autores, essa dinâmica natural teria forçado a frota portuguesa a se desviar do trajeto tradicionalmente aceito e aproximar-se da costa norte-rio-grandense, tornando menos plausível uma chegada direta à Bahia, como tradicionalmente ensinado.

Descoberta do Brasil pode ter sido no RN, e não na Bahia, diz pesquisa inédita
Figura apresenta mapas que localizam e caracterizam as montanhas Torreão, Amarelão e Serra Verde (Monte Pascoal Potiguar), cuja forma e altitude coincidem com a descrição feita por Pero Vaz de Caminha – Imagem: Autores

A equipe também levou em conta a batimetria, que corresponde à medição das profundidades oceânicas. Ao converter as “braças” citadas na carta de Caminha para metros e aplicar os dados em softwares como o QGIS, os pesquisadores simularam a aproximação da frota portuguesa à costa brasileira. Além disso, realizaram expedições náuticas reais, percorrendo cerca de 30 quilômetros mar adentro com embarcações para reproduzir a exata distância mencionada na carta, fotografando do mar as formações montanhosas visíveis da costa.

As imagens confirmaram a possibilidade de avistamento da Serra Verde, formação localizada no interior do RN, próximo ao município de João Câmara. A montanha, de topo arredondado e de grande altitude, teria sido confundida com o Monte Pascoal, na Bahia, tradicionalmente apontado como o primeiro marco visualizado pelos portugueses.

As simulações por GPS mostraram que a chegada pelo litoral baiano não coincide com as correntes marítimas e os ventos predominantes do final do século XV. Já o trajeto em direção ao Rio Grande do Norte se encaixa com as rotas naturais das correntes atlânticas descritas em diários náuticos da época. A carta de Caminha também faz referência a um desembarque que teria ocorrido a cerca de 60 quilômetros do local onde avistaram terra pela primeira vez — distância que coincide com o posicionamento do marco português localizado atualmente na praia do Marco. O marco original encontra-se preservado no Museu Câmara Cascudo, da UFRN, e uma réplica permanece na praia, reforçando a ligação do local com o episódio histórico.

Descoberta do Brasil pode ter sido no RN, e não na Bahia, diz pesquisa inédita.jpg
Imagem registra o avistamento do continente a olho nu a 30 km da costa de Maxaranguape, destacando formações montanhosas do interior do RN, como a Serra Verde, renomeada na pesquisa como Monte Pascoal Potiguar – Foto: Autores

As evidências reunidas no estudo apontam para o que os autores consideram uma necessária revisão da narrativa histórica, agora à luz de dados científicos contemporâneos. Para os pesquisadores, a ciência moderna oferece ferramentas mais precisas para a compreensão do passado e permite aprimorar a maneira como eventos históricos são contados e entendidos, baseando-se em métodos empíricos e tecnologias avançadas, como satélites, GPS, modelagens computacionais e análises físicas.

A nova pesquisa se junta a um corpo crescente de trabalhos que defendem a tese do “descobrimento potiguar“. Os professores Carlos Chesman e Cláudio Furtado retomam argumentos anteriormente defendidos por estudiosos como o escritor e historiador Lenine Pinto, falecido em 2021, que dedicou boa parte de sua obra a provar que o Brasil teria sido achado no litoral norte-rio-grandense, e não no sul da Bahia. Lenine baseou seus estudos em mapas antigos, registros náuticos e na própria carta de Américo Vespúcio, que também descreveu o primeiro contato com o Brasil a partir de uma perspectiva mais condizente com a geografia do RN.

Mapas digitais e registros históricos sugerem que o Brasil foi descoberto no RN, não na Bahia
Professor Carlos Chesman, primeiro autor do estudo – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Outros nomes relevantes também contribuíram para a sustentação dessa hipótese. Luís da Câmara Cascudo, em sua obra “Dois ensaios de história“, destacou a relevância dos ventos alísios e das correntes marítimas que naturalmente empurrariam embarcações vindas da costa africana em direção ao litoral do RN, sem necessidade de manobras complexas para alcançar a Bahia. A professora Rosanna Mazaro, da UFRN, reforçou esse ponto com base em sua experiência como navegadora, afirmando que as condições de vento e mar tornam improvável que uma esquadra vinda da África tenha conseguido evitar a costa potiguar.

O pesquisador Manoel de Oliveira Cavalcanti Neto também demonstrou, com base em dados batimétricos, que as profundidades do mar descritas por Caminha são mais compatíveis com o litoral potiguar do que com a região de Porto Seguro. Inicialmente, Manoel havia identificado o monte descrito na carta como sendo o Pico do Cabugi. Em publicações posteriores, no entanto, ele reviu essa posição e passou a apontar a Serra Verde como o monte avistado por Cabral, convergindo com a conclusão apresentada agora por Chesman e Furtado.

Embora o debate não esteja encerrado, a soma de evidências científicas contemporâneas, experimentações em campo e cruzamentos históricos fortalece de maneira inédita a tese de que o Brasil pode ter sido descoberto, de fato, no Rio Grande do Norte. O diferencial do estudo recente está na combinação entre tecnologia moderna e documentação antiga, indo além das interpretações literárias e ampliando o horizonte da historiografia com uma abordagem empírica robusta e inovadora.

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