No centro do Rio de Janeiro, em frente ao antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), ocorreu na última sexta-feira (13 de dezembro de 2024) o ato público 'AI-5 Nunca Mais'. A data marca o aniversário da assinatura do Ato Institucional nº 5, em 1968, um marco do período mais violento da ditadura militar brasileira. A performance artística central do evento, idealizada por Julia Cseko, utilizou 200 quilos de sal, representando simbolicamente 800 pessoas – uma alusão às vidas perdidas e à ausência deixada pela repressão.
Performance artística e simbolismo: A artista Julia Cseko explicou que a instalação com sacos de sal visa “pensar nas pessoas que perdemos, na fisicalidade das ausências que temos e tudo que perdemos também na ditadura. Foram vidas, foi a sanidade. A polícia apenas se tornou mais truculenta, mais violenta. A corrupção se tornou uma coisa cada vez endêmica”. A escolha do sal como elemento central da performance reitera a gravidade da perda e a importância de lembrar as vítimas.
Um espaço de memória e justiça
O ato, realizado há 11 anos consecutivos, reúne artistas, familiares de vítimas da ditadura, políticos, ativistas e defensores dos direitos humanos. O objetivo principal é transformar o antigo prédio do DOPS, atualmente um bem tombado do patrimônio histórico do estado do Rio de Janeiro, em um centro de memória da repressão e tortura ocorridas durante o regime militar. Vera Vital Brasil, do Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia, uma das organizadoras do ato, afirma: “Nós lutamos, há muitos anos, para transformar esse prédio num centro de memória. Essa é mais uma iniciativa, sempre lembrando que nós não queremos nem ditadura, nem sequer AI-5, que foi um período onde nós perdemos muitos companheiros, tivemos muitos desaparecidos. Além daqueles que lutavam contra a ditadura, muitos segmentos foram atingidos vilmente por uma crueldade inaceitável. Então, ditadura nunca mais, AI-5 nunca mais”.
O historiador Paulo Cesar Azevedo Ribeiro, também integrante do Coletivo, destaca a importância simbólica do local, lembrando prisões de figuras ilustres como Graciliano Ramos e Nise da Silveira. Ele defende a criação de um “centro de memória e cultura, com oficinas para os jovens aprenderem, com cinema, com arte, para armazenar o que se sabe”, enfatizando a ausência de um espaço similar no Rio de Janeiro dedicado às lutas contra a repressão.
A importância da memória para evitar a repetição do passado
A Comissão Nacional da Verdade estima que 50 mil pessoas foram presas em 1964, ano do golpe militar, muitas delas submetidas a torturas. A comissão também registrou, pelo menos, 434 mortos e desaparecidos. Dilceia Quintela, secretária dos Direitos Humanos do Partido Comunista do Brasil, ressalta a necessidade de preservação da memória para evitar que a história se repita, alertando sobre os perigos de “golpistas andando por aí”, referindo-se aos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília e a uma tentativa de golpe em 2022, após as eleições. Ela cita a operação da Polícia Federal, em novembro de 2024, que desmantelou um plano golpista, que incluía até mesmo o assassinato do presidente Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, um plano este impresso no Palácio do Planalto. Como ela mesma diz: “Todos os anos, sempre no dia 13 de dezembro, nós viemos aqui para rememorar, para não deixar que seja esquecida ‘aquela página infeliz da nossa história’, como diria Chico Buarque”.
A artista Julia Cseko, filha do compositor Luiz Carlos Cseko, que viveu o exílio forçado nos Estados Unidos para escapar da repressão da ditadura, utiliza uma bolsa de estudos para criar obras de arte com essa temática. Ela finaliza dizendo: “A gente está num momento histórico complicadíssimo. Querem anistiar pessoas que tentaram fazer um golpe. Acho que anistia para essas pessoas nem pensar. Isso é importante dizer também. E é esse o símbolo de estar junto, em solidariedade, resistindo, continuando esse trabalho de resistência, continuando o trabalho de luta pelos direitos humanos, com os coletivos. É uma colaboração muito bonita. É isso. Vamos lá, vamos botar sal aqui”.
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