Uma nova abordagem para definir e diagnosticar a obesidade está sendo proposta por especialistas, marcando uma mudança significativa em relação ao tradicional Índice de Massa Corporal (IMC). A iniciativa, fruto de uma colaboração global que durou dois anos, redefine a obesidade não apenas com base no peso, mas também considerando a distribuição da gordura corporal e os problemas de saúde associados.
O IMC, calculado dividindo o peso em quilogramas pela altura em metros ao quadrado, tem sido a ferramenta padrão para classificar a obesidade, com um valor de 30 kg/m² ou mais considerado como indicador de obesidade em pessoas de ascendência europeia. No entanto, essa metodologia tem demonstrado suas limitações, uma vez que não distingue entre massa muscular e massa gorda, o que pode levar a diagnósticos imprecisos, especialmente em atletas com alta massa muscular.
Problemas com o IMC
O risco de problemas de saúde está relacionado à proporção de gordura, osso e músculo no corpo, bem como à localização da gordura. A gordura abdominal, por exemplo, apresenta um risco maior à saúde, já que libera moléculas prejudiciais na corrente sanguínea. Essas moléculas podem causar problemas em outros órgãos do corpo. O IMC, por si só, não consegue determinar se uma pessoa tem problemas de saúde relacionados ao excesso de gordura corporal.
A nova definição, publicada na revista The Lancet, propõe que o diagnóstico de obesidade clínica dependa não só da quantidade de gordura corporal, mas também de sua localização e da presença de problemas de saúde associados. O diagnóstico deve considerar também os sinais e sintomas de mau funcionamento de órgãos e/ou dificuldades nas atividades diárias. Assim, o foco se desloca do peso absoluto para uma avaliação mais abrangente do estado de saúde.
A Lancet Diabetes & Endocrinology Commission on the Definition and Diagnosis of Clinical Obesity, estabelecida em 2022, reuniu 56 especialistas para desenvolver essa nova abordagem. A comissão propõe a divisão da obesidade em duas categorias:
- Obesidade Clínica: Caracterizada pela presença de sinais e sintomas de disfunção orgânica e/ou dificuldades nas atividades cotidianas, com 18 critérios diagnósticos em adultos e 13 em crianças e adolescentes. Estes incluem:
- Obesidade Pré-Clínica: Caracterizada por altos níveis de gordura corporal sem causar doenças, sem evidências de função reduzida de tecido ou órgão devido à obesidade, e com capacidade de realizar atividades diárias sem impedimentos. No entanto, pessoas com obesidade pré-clínica geralmente têm um risco maior de desenvolver doenças como problemas cardíacos, alguns tipos de câncer e diabetes tipo 2.
Implicações para o tratamento
A obesidade clínica é reconhecida como uma doença que requer acesso a cuidados de saúde eficazes. O tratamento deve ser focado na melhoria dos problemas de saúde causados pela obesidade, oferecendo opções baseadas em evidências, como:
- Suporte para mudança de comportamento em relação à dieta, atividade física, sono e uso de telas.
- Medicamentos para controle da obesidade, que atuam na redução do apetite, perda de peso e melhoria dos níveis de glicose e pressão arterial.
- Cirurgia bariátrica para tratar a obesidade e reduzir complicações relacionadas ao peso.
Já para a obesidade pré-clínica, o foco deve ser a redução de risco e a prevenção de problemas de saúde associados à obesidade. Isso pode envolver aconselhamento em saúde, apoio para mudanças de comportamento e monitoramento contínuo. A depender do risco individual, tais como histórico familiar de doenças, níveis de gordura corporal e mudanças ao longo do tempo, as pessoas podem optar por um dos tratamentos de obesidade citados.
A nova abordagem visa personalizar o tratamento e a prevenção da obesidade, alocando recursos de forma mais adequada e eficaz. A adoção dessas novas definições em diretrizes clínicas nacionais e internacionais, além de treinamentos para profissionais de saúde e educação do público, será crucial para o sucesso da iniciativa. A mudança na narrativa da obesidade pode ajudar a combater o estigma e as falsas suposições sobre a saúde de pessoas com corpos maiores, com uma abordagem mais científica e individualizada.
Pessoas com obesidade ou corpos maiores podem esperar avaliações personalizadas e baseadas em evidências, sem estigma ou culpa. Um melhor entendimento da biologia e dos efeitos da obesidade deve ajudar a evitar que pessoas com corpos maiores sejam culpadas por sua condição. A pesquisa que foi publicada no periódico The Lancet, e que fundamenta as mudanças, pode ser acessada aqui.
A comissão publicou também um artigo sobre as diretrizes e um novo critério diagnóstico, que pode ser encontrado aqui, e a respeito do tratamento, aqui e aqui.
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