Um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões pagos pelo INSS revelou um cenário de graves falhas de fiscalização e prejuízos bilionários a milhões de brasileiros. A Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que entre 2019 e 2024, entidades associativas retiveram R$ 6,3 bilhões diretamente dos benefícios, em sua maioria sem qualquer autorização dos segurados.
Em entrevista exclusiva ao Portal N10, Washington Barbosa, especialista em Direito Previdenciário, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e CEO da WB Cursos, alertou para o que define como uma escalada preocupante. “No relatório da CGU, uma coisa que chama muita atenção, muita atenção mesmo, é o crescimento vertiginoso dos valores descontados, principalmente a partir de 2022. Esse número saltou em 2022 para R$ 700 milhões e depois chegou agora em 2024 a R$ 2,6 bilhões”.
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Barbosa também destacou o aumento no número de entidades autorizadas a aplicar descontos, muitas delas sem transparência ou estrutura. “Houve o crescimento da quantidade de associações, que pulou de 15 para 33 associações”, apontou. Segundo ele, a ausência de fiscalização é um dos principais fatores para o avanço da fraude: “O controle deve se dar desde o momento do credenciamento. Isso aparentemente não foi feito”.
Ao Portal N10, o especialista foi enfático: “Faltou gestão do INSS nesse aspecto”. Barbosa afirmou que os convênios com entidades suspeitas deveriam ter sido imediatamente suspensos: “O que deveria ter feito o INSS nesse aspecto seria acompanhar com propriedade, acompanhar de lupa esse tipo de situação. E ainda, na menor dúvida de alguma irregularidade, ele deveria imediatamente suspender esse convênio”.
Segundo relatório da CGU, 98% dos beneficiários que sofreram descontos não autorizaram as cobranças. Para Barbosa, o dado reforça o retrato de desgoverno: “A meu ver o que ocorreu foi realmente uma ausência de controle desse tipo de situação”.
A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pela CGU, mobilizou 700 agentes da PF e 80 servidores da CGU. A ação cumpriu 211 mandados de busca e apreensão, seis prisões temporárias e bloqueios de bens no valor de R$ 1 bilhão em 14 estados e no Distrito Federal.
Foram apreendidos carros de luxo, joias, quadros de valor elevado e dinheiro em espécie. A PF agora analisa a documentação, celulares, mensagens e notas fiscais para traçar o percurso do dinheiro, desde os benefícios descontados até os envolvidos no esquema.
Entre os alvos está o ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, afastado por ordem judicial após pedido da Polícia Federal. Ele será um dos investigados a prestar depoimento após a análise do material apreendido. Sua defesa não foi localizada.
De acordo com o ministro da CGU, Vinicius Marques de Carvalho, os descontos eram realizados com base em assinaturas falsas ou artifícios para simular autorizações inexistentes. “Várias dessas pessoas, a grande maioria delas, não tinham autorizados esses descontos. Esses descontos eram, em sua grande maioria fraudados em função de falsificação de assinaturas, em função de uma série de artifícios utilizados para simular essa manifestação de vontade que não era uma manifestação de vontade real dessas pessoas”, explicou.
Carvalho também revelou que 72% das entidades envolvidas não entregaram a documentação exigida para o desconto em folha. “O que se apurou é que essas entidades não tinham estrutura operacional e mais, que 72% delas não tinham entregue ao INSS, embora elas estivessem realizando esses descontos, a documentação necessária para que isso acontecesse”.
Os serviços ofertados por essas associações eram, em tese, benefícios como descontos em academias ou planos de saúde, mas a maioria sequer possuía estrutura para oferecer tais vantagens. O ministro foi claro ao responsabilizar o INSS pela falha em detectar a fraude: “Infelizmente, o INSS não dava conta, ou não deu conta de fazer as fiscalizações necessárias dessas autorizações, em função do aumento do número dos descontos, isso foi gerando uma bola de neve que gerou essa situação que a gente está encarando aqui hoje”.
Washington Barbosa, ao ser questionado pelo Portal N10, também apontou omissão por parte do Governo Federal na comunicação com a população. “Cabe ao Governo Federal deixar claro para a população, os cuidados que ela deve ter e, lógico, orientar como proceder em caso de algum erro. Uma parte das verbas gigantescas de comunicação deveria ser utilizada para esse tipo de ação de utilidade pública”.
A operação já resultou na suspensão de todos os Acordos de Cooperação Técnica das entidades investigadas, assim como dos descontos em folha. A orientação aos segurados é que, ao identificar um desconto indevido, utilizem o aplicativo Meu INSS para solicitar a exclusão automática do débito.