Após mais de uma década de trabalho, um experimento realizado no Thomas Jefferson National Accelerator Facility (TJNAF), do Departamento de Energia dos EUA, forneceu o primeiro vislumbre da complexa estrutura interna do nêutron. Os dados coletados pelo Central Neutron Detector estão ajudando a desvendar os mistérios que permeiam a matéria.
Para a diretora de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS), Silvia Niccolai, "É um resultado bastante importante para o estudo dos núcleons". O núcleo atômico, normalmente compreendido como uma estrutura compacta, revela-se, na verdade, um ambiente agitado composto de partículas subatômicas ainda menores: os quarks.
Prótons e nêutrons são formados por trios de quarks, com os prótons contendo dois quarks 'up' e um quark 'down', enquanto os nêutrons possuem dois quarks 'down' e um quark 'up'. Entretanto, essa descrição simplificada esconde uma realidade muito mais complexa. A interação entre os quarks é mediada pelos glúons, resultando em uma dinâmica caótica de partículas e antipartículas em constante interação.
Para investigar essa dinâmica, os físicos utilizam aceleradores de partículas, disparando elétrons contra núcleos atômicos e analisando o padrão de espalhamento dessas “bolas” microscópicas. Para facilitar a interpretação dos resultados, o modelo teórico utiliza o conceito de *partons*, unidades formadas por quarks e glúons, que operam sob diferentes estruturas quânticas.
Experimentos anteriores no TJNAF, usando o espectrômetro CEBAF Large Acceptance Spectrometer e suas atualizações, já haviam desvendado boa parte do mistério sobre a estrutura de *partons* do próton, solucionando enigmas como a discrepância entre sua massa e tamanho. No entanto, a estrutura do nêutron se mostrou mais difícil de analisar, pois os fragmentos de elétrons são ejetados em ângulos que ficavam fora do alcance dos detectores. Segundo Niccolai, "Na configuração padrão, não havia detecção possível de nêutrons nesses ângulos".
Para contornar essa limitação, um novo detector foi construído em colaboração com o CNRS, instalado em 2017 e testado em experimentos iniciais em 2019 e 2020. A construção desse detector, iniciada em 2011, superou desafios técnicos, como a contaminação dos resultados por prótons. Um filtro de aprendizado de máquina foi desenvolvido para eliminar esse ruído, permitindo finalmente a utilização dos dados em modelos teóricos sobre a atividade dos nêutrons.
O primeiro estudo a utilizar esses dados obtidos permitiu restringir o comportamento de uma das distribuições de *partons* menos compreendidas nos nêutrons: a distribuição de partons generalizada (GPD) E. Comparando os resultados com dados anteriores sobre prótons, os pesquisadores conseguiram distinguir características matemáticas significativas da GPD E em um modelo similar.
De acordo com Niccolai, "A GPD E é muito importante porque pode nos dar informações sobre a estrutura de spin dos núcleons". O spin, em mecânica quântica, é uma propriedade semelhante ao momento angular na física clássica. Medições anteriores do spin dos quarks em prótons e nêutrons revelaram que eles contribuem com apenas cerca de 30% do spin total do núcleon, um fenômeno conhecido como "crise do spin". Ainda não se sabe ao certo de onde vem a fração restante, se das interações com glúons ou de outros comportamentos ainda não totalmente compreendidos. Experimentos futuros poderão ajudar a responder a essa questão. Esta pesquisa foi publicada na Physical Review Letters.
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