No cenário atual da cibersegurança no Brasil, a atuação de criminosos digitais já não se limita a práticas rudimentares ou ataques aleatórios. Dados da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP) apontam que, entre janeiro e março de 2025, ao menos seis tipos de golpes digitais concentraram a maior parte dos casos reportados, demonstrando sofisticação técnica e domínio das brechas humanas e tecnológicas do sistema.
A análise é do advogado Francisco Gomes Junior, presidente da ADDP e especialista em direito digital. Em entrevista ao Portal N10, ele afirmou que a maioria das vítimas ainda é duplamente penalizada: primeiro pelos prejuízos financeiros e emocionais sofridos, e depois pela ausência de suporte concreto das plataformas, instituições financeiras ou políticas públicas.
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“Os criminosos sabem exatamente o momento de agir. Em abril e maio, eles adaptam a fraude ao Imposto de Renda. Em dezembro, o apelo se volta ao 13º salário. Tudo é pensado. E quando a vítima busca ajuda, escuta que foi desatenta ou gananciosa. Isso é um reflexo da negligência institucional com a segurança digital“, destaca Francisco Gomes Junior.
Os seis golpes mais praticados no Brasil no início de 2025
A ADDP reuniu os golpes com maior incidência no período analisado. A seguir, o Portal N10 detalha como essas fraudes funcionam e por que continuam se espalhando com facilidade:
1. Link malicioso
Com aparência de mensagens oficiais — de bancos, lojas conhecidas ou da Receita Federal —, o link direciona a vítima para sites fraudulentos, onde dados são capturados. Em alguns casos, o clique resulta na instalação de programas espiões capazes de monitorar o celular em tempo real.
2. Falso benefício
A fraude utiliza narrativas ligadas a programas sociais como Bolsa Família ou aposentadorias do INSS. O criminoso promete liberação de verbas mediante o pagamento de uma suposta taxa administrativa. Após o depósito, o golpista desaparece.
3. Clonagem de WhatsApp
Este tipo de golpe continua em crescimento. A vítima é convencida a fornecer códigos de verificação por SMS, permitindo que criminosos assumam o controle da conta e acessam outros aplicativos bancários ou redes sociais vinculados ao número.
4. Falso gerente de banco
O usuário recebe uma ligação com aparência de urgência. Do outro lado da linha, um suposto gerente alerta sobre movimentações suspeitas e solicita dados sigilosos para “cancelamento”. A vítima entrega o acesso à própria conta sem perceber.
5. Loja falsa online
Sites com design profissional oferecem produtos com valores abaixo do mercado. O consumidor realiza o pagamento e nunca recebe o item adquirido. A loja é retirada do ar em poucos dias e os dados dos compradores são frequentemente revendidos.
6. Empréstimo consignado falso
Criminosos simulam campanhas de crédito consignado, frequentemente alinhadas com anúncios reais do governo federal. A vítima é instruída a preencher cadastros e realizar um depósito antecipado, acreditando que receberá o valor solicitado. O dinheiro não é liberado.
Fragilidade estrutural e ausência de suporte à vítima
Na avaliação de Francisco Gomes Junior, o maior erro está em continuar tratando o problema como consequência de descuido individual. Para o presidente da ADDP, as campanhas de orientação atuais estão ultrapassadas.
“Dizer que o usuário precisa “ter cuidado com links” ou “ativar autenticação em duas etapas” já não é suficiente. Os golpes evoluíram. O que falta é uma resposta coordenada entre Estado, plataformas digitais e instituições privadas. Hoje, a vítima é deixada sozinha, sem nenhum canal eficiente de reparação“, afirmou ao Portal N10.
Golpes silenciosos e novas ameaças emergentes
Além dos seis golpes listados, a ADDP alerta para um fenômeno que ainda passa despercebido por grande parte da população: o chamado “golpe invisível”, que ocorre por meio da ativação do Bluetooth em locais públicos.
O risco reside na possibilidade de criminosos acessarem dados de dispositivos próximos sem qualquer interação direta com o usuário, especialmente em locais de grande circulação como shoppings e aeroportos.
Essa tendência reforça a preocupação com o que especialistas chamam de vulnerabilidades passivas, ou seja, aquelas exploradas sem ação direta do usuário. O Portal N10 já abordou a importância de mitigar esse tipo de ameaça em reportagens como Cibersegurança: como proteger seus dados em tempos de vazamentos e ameaças digitais, que detalha métodos de proteção diante do avanço das tecnologias de espionagem.
Redes sociais e aplicativos como novos vetores
As redes sociais também vêm sendo utilizadas como ambiente para disseminação de fraudes. Golpes como o do sequestro de contas no Instagram, descrito na análise recente publicada pelo Portal N10 (veja aqui), demonstram que até plataformas consolidadas seguem vulneráveis.
Outro caso recorrente envolve aplicativos falsos mascarados como extensões de jogos ou truques de redes como o TikTok. O conteúdo enganoso serve como isca para induzir o usuário a instalar arquivos maliciosos, conforme mostrou a reportagem Quando o truque do TikTok vira porta de entrada para apps piratas e malware.
Falta de responsabilização e normalização do problema
O ponto central, segundo Francisco Gomes Junior, é que o sistema não oferece suporte real, e a culpabilização da vítima se tornou um hábito cultural perigoso.
“O Brasil trata o golpe digital como um problema do cidadão, quando na verdade é um problema do sistema. A falha é da estrutura, da ausência de fiscalização, da impunidade dos criminosos e da omissão das grandes plataformas. O usuário precisa de apoio técnico, jurídico e psicológico. E isso não existe hoje“, conclui.