Condomínios erram ao tentar proibir pets

O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu: a convivência com animais é direito garantido, salvo quando houver dano real e comprovado.
Condomínios erram ao tentar proibir pets
Imagem de Andrés Carlo por Pixabay

A presença de animais de estimação em condomínios continua sendo um dos temas que mais alimentam conflitos entre vizinhos em todo o Brasil. Segundo a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), 30% das reclamações registradas em condomínios estão diretamente relacionadas a pets. E o que deveria ser uma questão de convivência virou caso de Justiça e debate jurídico intenso sobre os limites das convenções internas.

A coluna Panorama ouviu a advogada Siglia Azevedo, especialista em direito imobiliário e condominial, mestre em sistemas de resolução de conflitos, que explicou em detalhes como a legislação e os tribunais enxergam a questão.

A convenção condominial não pode proibir a posse de animais de forma genérica e irrestrita. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente que tal proibição fere o direito de propriedade e a dignidade da pessoa humana”, destacou Siglia Azevedo em entrevista concedida ao Panorama.

Ela citou, como exemplo, o Recurso Especial 1.348.536/SP, no qual o STJ firmou entendimento claro: não basta existir uma cláusula proibitiva no regimento para impedir um morador de ter um animal de estimação. É preciso que haja comprovação objetiva de que o animal compromete o sossego, a segurança ou a higiene no condomínio.

O Judiciário tem reforçado a tese de que é preciso demonstrar dano efetivo causado pelo animal para justificar qualquer restrição”, acrescentou a jurista.

O que mais causa conflitos?

Mesmo com decisões judiciais claras, os atritos permanecem. Os motivos mais frequentes de reclamação são:

  • Latidos constantes;
  • Uso de áreas comuns por cães sem guia;
  • Fezes deixadas em locais indevidos;
  • Discussões sobre a presença de raças consideradas agressivas.

Nessas situações, síndicos costumam ser pressionados pelos condôminos que desejam restrições mais duras, mas nem sempre entendem que não têm autonomia para aplicar proibições que extrapolam os limites legais.

Siglia Azevedo explicou ao Panorama: “É um erro comum achar que o síndico pode proibir pets com base apenas em reclamações ou no regimento. Ele deve agir com base em provas e respeitar o princípio da razoabilidade. A função dele é promover a harmonia, e não impor medidas arbitrárias.”

Síndicos pressionados e legislação ignorada

Levantamento da Associação Brasileira dos Síndicos e Síndicos Profissionais (ABRASSP) mostra que mais de 60% dos síndicos estiveram envolvidos em disputas relacionadas a animais de estimação nos últimos dois anos. Muitos relatam insegurança ao lidar com o tema e dificuldade para interpretar as normas.

A advogada alerta: a aplicação de regras sem respaldo jurídico pode levar o condomínio a perder ações e acumular prejuízos. Ela reforçou que a melhor solução é investir em assessoria jurídica preventiva, assembleias específicas sobre o tema e campanhas educativas para os moradores.

Condomínios que contam com suporte jurídico especializado conseguem elaborar regras mais equilibradas, conduzir mediações eficientes e evitar que os casos terminem na Justiça. A coletividade não pode ser usada como argumento para o autoritarismo. O condomínio é uma microcomunidade, e como tal, precisa equilibrar interesses de forma democrática e jurídica”, ressaltou Siglia ao Panorama.

A especialista também recomendou que os condomínios organizem assembleias temáticas para esclarecer dúvidas, criar espaços de escuta e evitar decisões apressadas ou autoritárias.

Os números falam por si. Com 61% dos lares brasileiros convivendo com ao menos um animal de estimação, segundo o Instituto Pet Brasil, proibir pets em condomínios é uma batalha perdida. O Supremo Tribunal de Justiça já decidiu: a convivência com animais é direito garantido, salvo quando houver dano real e comprovado.

Ainda assim, muitos condomínios continuam insistindo em regras ultrapassadas e em tentativas de banir animais com base em regimentos internos frágeis, sem qualquer sustentação jurídica. O resultado tem sido previsível: conflitos internos, judicialização crescente e decisões desfavoráveis para os condomínios.

Síndicos pressionados, moradores divididos e tribunais sobrecarregados. Tudo isso porque parte da gestão condominial insiste em ignorar o que a jurisprudência já deixou claro.

A convivência com pets não será resolvida com proibição. Será resolvida com diálogo, regras legítimas, educação coletiva e respeito aos direitos de todos — humanos e animais.

O condomínio precisa parar de tentar “ganhar no grito” e começar a ganhar na convivência. A paz nos prédios não virá da ausência de animais, mas da presença de regras legítimas e bem aplicadas.

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