A proposta da Reforma Tributária tem gerado intensos debates, principalmente no que se refere às novas regras para a isenção de impostos em automóveis para Pessoas com Deficiência (PCD). Segundo o governo, apenas veículos adaptados terão direito ao benefício, o que pode impactar cerca de 80% dos motoristas PCD, que possuem limitações, mas não necessitam de modificações estruturais para dirigir.
A justificativa oficial é combater fraudes, pois, segundo o governo, muitas pessoas estariam obtendo a isenção sem real necessidade. No entanto, especialistas apontam que a medida pode representar uma exclusão injusta para milhares de condutores que dependem do benefício, mas não precisam de adaptações no veículo. A nova norma da Reforma exige um laudo médico que comprove a necessidade de modificação no carro, o que restringe drasticamente a concessão da isenção.
Para esclarecer os impactos da medida, o Fipe Carros conversou com o especialista em direito tributário, Alexandre Mazza, que analisou os principais pontos da proposta e seus possíveis desdobramentos.
Mudança fere princípios constitucionais?
Questionado se a nova regra viola algum princípio da Constituição, Mazza foi categórico:
“Sim, me parece evidente a violação ao princípio da isonomia, previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, porque a nova regra prejudica claramente as pessoas cujas deficiências demandariam somente um veículo automático, sem necessidade de adaptação.”
Isso significa que a exigência pode criar uma distinção injustificada entre motoristas PCD, beneficiando apenas aqueles que necessitam de veículos adaptados e deixando de fora os que enfrentam limitações, mas conseguem dirigir um carro convencional automático.
Justificativa do governo se sustenta juridicamente?
O governo justifica a decisão alegando que a restrição visa combater fraudes no sistema de isenção. No entanto, segundo Mazza, essa solução pode ser desproporcional:
“Os governos federal e estadual enfrentam grande dificuldade na fiscalização dos benefícios concedidos. E o endurecimento das regras é voltado a melhorar esse controle. Todavia, o caminho mais razoável seria aparelhar os órgãos públicos encarregados da fiscalização em vez de pura e simplesmente excluir do benefício cerca de 95% dos atuais favorecidos pela isenção.”
A declaração do especialista indica que, em vez de limitar o direito dos motoristas PCD, o governo deveria investir em mecanismos mais eficientes para evitar o uso indevido do benefício.
Exigência de laudo médico pode ser barreira burocrática?
Outro ponto polêmico da nova regra é a obrigatoriedade de um laudo médico específico que comprove a necessidade de adaptação no veículo. Para Mazza, essa exigência é inevitável:
“Não há outro jeito. A exigência de laudo médico para cada caso é a única alternativa viável. Porque fora essa opção restaria admitir que o próprio requerente se autodeclarasse portador da deficiência, algo que aumentaria mais ainda os casos de concessão imerecida.”
Apesar de reconhecer a importância do controle, essa regra pode dificultar ainda mais o acesso ao benefício para motoristas PCD que não precisam de adaptações, mas possuem dificuldades para locomoção ou condições médicas que justificam a isenção.
Motoristas PCD podem recorrer à Justiça?
Diante da possibilidade de perda da isenção, surge a dúvida: motoristas PCD poderão recorrer à Justiça para reverter a decisão? Segundo Mazza, há precedentes que indicam que esse caminho pode ser viável:
“Quando os governos estaduais tentaram há alguns anos impor a necessidade de que o veículo fosse adaptado, o Poder Judiciário foi inundado por ações propostas por PCDs que perderam o benefício. O resultado foi tão desastroso que os estados foram obrigados a rever a medida. Os precedentes são incontáveis.”
Ou seja, caso a nova regra entre em vigor, é provável que haja um aumento significativo de processos judiciais questionando a constitucionalidade da medida.
Pressão social pode mudar a decisão?
A mobilização popular e a atuação de entidades ligadas à causa PCD podem influenciar o futuro da norma. Mazza explica que esse movimento já começou:
“Sim, o caminho para rever a medida é pressionar governadores e deputados, pressão essa que já começa a ser feita especialmente por associações ligadas às causas dos PCDs.”
A decisão final dependerá do Congresso Nacional e da reação da sociedade diante das restrições impostas pela nova regra. Caso a mobilização ganhe força, há chances de que o texto seja revisado para contemplar um maior número de motoristas PCD.
A proposta ainda está em discussão e pode passar por alterações antes de ser implementada. Enquanto isso, motoristas PCD e entidades do setor acompanham de perto as movimentações e avaliam as melhores formas de garantir que a isenção de impostos continue sendo um direito acessível para aqueles que realmente precisam.