Anunciada com pompa como o renascimento da indústria automotiva em Camaçari (BA), a instalação da fábrica da BYD — a gigante chinesa de veículos elétricos — começa a ganhar forma, mas com um cronograma atrasado, produção limitada e sob a sombra de denúncias de trabalho análogo à escravidão. A operação real, no modelo fabril tradicional, só deve acontecer a partir de dezembro de 2026.
Enquanto isso, até lá, o que veremos em território nacional é um processo semelhante ao da Caoa Chery em seu início: a famosa produção SKD (semi-knocked down), ou seja, carros parcialmente montados no exterior e finalizados aqui.
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O prazo inicial apontava para a montagem dos primeiros veículos ainda no primeiro trimestre de 2024, logo após o Carnaval. Mas a realidade se impôs. As denúncias envolvendo trabalhadores chineses em condições degradantes, reveladas em investigações federais, atrasaram o início da operação e colocaram pressão sobre a reputação da empresa no Brasil.
Quem confirmou o novo cronograma foi o secretário estadual da Bahia, Augusto Vasconcelos, em vídeo publicado em suas redes sociais:
“A fábrica deve estar em pleno funcionamento a partir de dezembro de 2026, mas alguns veículos já serão produzidos este ano, de acordo com estimativas dos chineses”.
É uma guinada importante. O discurso de revitalização industrial da região — que desde a saída da Ford amarga desemprego em massa — agora precisará aguardar mais dois anos e meio para ver a operação rodando em capacidade plena.
A fábrica de Camaçari: legado da Ford e expectativa frustrada
O complexo onde hoje a BYD começa sua jornada foi herdado da antiga planta da Ford, encerrada em 2021. Na época do anúncio da chinesa, a promessa era ousada: geração de até 10 mil empregos diretos e indiretos, produção de modelos elétricos e híbridos, estímulo à cadeia nacional de fornecimento e protagonismo global no setor de veículos verdes.
Até o momento, apenas 1.000 contratações devem ocorrer em 2024, segundo o sindicato dos metalúrgicos de Camaçari, representado por Julio Nonfim. Os demais postos de trabalho dependerão do avanço real da produção — algo que, conforme admitido, só virá com a planta 100% funcional em 2026.
O que será produzido?
Originalmente, quatro modelos foram anunciados para produção nacional:
- Dolphin
- Dolphin Mini
- Song Plus
- Yuan Plus
Contudo, houve mudança. O Yuan Plus deve ser substituído pelo Song Pro na linha de produção nacional. Os outros três seguem confirmados. A produção inicial será limitada e parcial, via SKD, com capacidade instalada de até 150 mil veículos por ano.
Trabalho análogo à escravidão: o episódio que marcou o início
A entrada da BYD no Brasil já está marcada por um escândalo. Denúncias apontaram que trabalhadores chineses atuavam em condições precárias no local da futura fábrica, com jornadas exaustivas, alojamentos improvisados e falta de documentação adequada. O caso foi parar no noticiário nacional, com repercussão negativa no setor industrial e entre entidades sindicais.
A empresa precisou rever parte de sua logística e repensar os fluxos de implantação. Apesar disso, manteve o projeto e iniciou movimentações internas com a expectativa de montar os primeiros veículos até o final de 2024.
A questão é que, enquanto as primeiras unidades ganham as ruas, a marca ainda não apagou a mancha de sua chegada conturbada.
O Brasil é prioridade (mas ainda não o destino principal da produção)
Apesar dos atrasos e das dificuldades, o Brasil é hoje o maior mercado da BYD fora da China. Dados da Fenabrave mostram que a montadora já vendeu mais de 30 mil veículos nos primeiros quatro meses de 2025, alcançando a nona posição entre as marcas mais vendidas no país — à frente de fabricantes tradicionais como Peugeot e se aproximando até da Honda.
Esse desempenho mostra a força da marca entre os consumidores brasileiros, especialmente na categoria de veículos eletrificados. Mas o ritmo das vendas contrasta com a lentidão da instalação fabril.
Na prática, a BYD continuará abastecendo o Brasil com carros importados, ainda que montados parcialmente por aqui, o que limita os efeitos de industrialização plena e de desenvolvimento local de tecnologia.
O caso da BYD expõe o contraste entre o discurso político de retomada da indústria e a realidade da implantação de fábricas no Brasil. Ainda que haja promessa de investimento e geração de empregos, os prazos são longos, os modelos de produção são temporários e os impactos sociais nem sempre são positivos desde o início.
A fábrica da BYD em Camaçari ainda não é símbolo de revitalização industrial. É, por enquanto, um reflexo de promessas redimensionadas, metas alongadas e um setor automotivo que tenta se reinventar — mas ainda tropeça em questões estruturais e trabalhistas.
Se o futuro será promissor, o presente exige vigilância. O Brasil quer ser plataforma de produção de carros elétricos. Mas antes disso, precisa garantir trabalho digno, indústria real e menos discursos vagos.