⚠️ Atenção: este texto contém spoilers do filme “Thunderbolts” (2025).
A Marvel Studios chegou ao topo. Reinventou a lógica dos estúdios, dominou o cinema mundial por uma década e transformou cultura pop em ativo financeiro. Mas todo império carrega seu colapso no DNA. Thunderbolts é a prova disso — um filme que não apenas tenta salvar uma narrativa em ruínas, mas que expõe sem querer o cansaço, o ruído e o descontrole que tomaram conta do MCU.
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Dirigido por Jake Schreier, o longa não é só a reunião de personagens secundários tentando encontrar relevância. É a própria Marvel tentando entender para onde ir depois de perder o fio da meada. E o resultado é o mais honesto dos últimos anos: um filme disfuncional, sombrio, com lampejos de grandeza — e o retrato perfeito de um estúdio que não sabe mais exatamente o que está construindo.
A trama: mentiras, trauma e poder sem direção
Em Thunderbolts, acompanhamos Yelena Belova (Florence Pugh) liderando uma missão secreta ao lado de John Walker, Ava Starr (Fantasma), Antonia Dreykov (Treinadora) e Bob Reynolds (Sentinela). Recrutados sob ordens da agora poderosa Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), eles acreditam estar impedindo ameaças globais, mas rapidamente descobrem que são meros peões num jogo de manipulação política — usados para eliminar segredos sujos do governo dos EUA.
O choque vem quando a verdadeira identidade de Bob é revelada: ele é o Sentinela, um experimento genético com poder comparável ao de um deus. Só que, diferente dos heróis clássicos, Bob é instável, sofre de transtornos psicológicos profundos, e carrega dentro de si um alter ego sombrio: o Vácuo — uma entidade que destrói tudo ao redor quando se manifesta. E claro: ninguém avisou a equipe.
Quando o Vácuo escapa durante uma tentativa de desativação de emergência em Nova York, o mundo desaba — literalmente. A cidade mergulha numa realidade alternativa alimentada pelos piores medos das pessoas. É uma sequência visual poderosa e caótica, mas com um peso simbólico ainda maior: a Marvel está, neste momento, sendo consumida pelos próprios erros.
A metáfora: o Vácuo é o próprio MCU
O Vácuo não é só um vilão. Ele é um reflexo perfeito da Marvel atual. Uma entidade que cresceu demais, perdeu o controle, ameaça devorar tudo — e que nasce de boas intenções mal executadas. Assim como Bob foi criado para salvar o mundo e se tornou uma bomba ambulante, o MCU também nasceu para revolucionar o cinema — mas hoje parece mais próximo de destruí-lo.
A sequência em que os Thunderbolts enfrentam seus traumas dentro da realidade distorcida do Vácuo é, talvez, a mais honesta que a Marvel já produziu. Não há vilão real. Há culpa, medo, abandono e dúvida. Os personagens são forçados a se olhar — e o estúdio, também.
O subtexto político: o Deep State com rosto e salto alto
Valentina Allegra de Fontaine é o verdadeiro monstro do filme. Ela representa o “deep state” dentro do MCU — o poder invisível que usa os heróis como armas e muda as narrativas conforme a conveniência do momento. A Marvel parece reconhecer, ainda que timidamente, que não há mais lugar para heróis puros. Que tudo virou ferramenta, branding, encenação.
Ao final, depois que os Thunderbolts salvam o mundo, Valentina os rebatiza em frente às câmeras: “Parabéns, Novos Vingadores.” É o momento mais irônico do filme. Eles não aceitaram esse título. Eles não querem. Mas agora são parte de um teatro público — como o próprio público da Marvel se tornou: consumidores de um espetáculo que já não acredita em si mesmo.
O mercado: onde a Marvel realmente sangra
Do lado de fora da tela, Thunderbolts chega em um momento crítico. As bilheterias de The Marvels (2023) e Quantumania (2023) foram desastrosas. O Disney+ perdeu assinantes. Kevin Feige enfrenta questionamentos dentro da própria Disney. As demissões no departamento de efeitos visuais e os escândalos envolvendo Jonathan Majors abalaram a credibilidade do estúdio.
E embora Thunderbolts tenha arrecadado mais de US$ 160 milhões em seu primeiro fim de semana global, o número é modesto comparado aos tempos áureos. A Marvel não é mais intocável — e agora precisa convencer o público com conteúdo, não apenas com hype.
As atuações: quando o peso recai sobre quem carrega
Florence Pugh é a alma do filme. Sua Yelena carrega culpa, raiva e compaixão em igual medida. Em uma indústria que tantas vezes entrega protagonistas rasos, Pugh constrói uma figura rica — mesmo quando o roteiro falha.
Lewis Pullman também merece destaque. Seu Sentinela é frágil e ameaçador, dócil e destrutivo. Ele representa o dilema da Marvel: como conter o que ela mesma criou.
Julia Louis-Dreyfus, por sua vez, entrega uma Valentina fria, cínica e calculista — a verdadeira antagonista. Seu poder não vem de superpoderes, mas do controle da narrativa. É uma vilã para tempos em que a guerra se faz com hashtags, não com escudos.
O primeiro filme da Marvel que parece uma carta de socorro
Thunderbolts não é um grande filme. Mas é um filme importante. Porque, pela primeira vez, a Marvel parece admitir que está em crise. E faz isso usando o que tem de melhor: personagens quebrados tentando entender se ainda vale a pena lutar.
Não há resposta definitiva. Mas há coragem em mostrar a rachadura. E talvez seja esse o primeiro passo para reencontrar o caminho.
O MCU está de joelhos. Mas não está morto. E se tiver humildade para aprender com Thunderbolts, pode, enfim, voltar a merecer o título que tanto tentou impor aos seus — o de herói.