Assistir à estreia de Missão: Impossível – O Acerto Final no Moviecom do Praia Shopping, como em toda a franquia, foi mais do que uma tradição: foi a sensação de estar diante do fim de uma era. Não do cinema de ação — porque esse continua se reinventando —, mas de um tipo de entrega física, emocional e, especialmente aqui, simbólica, que Tom Cruise encarnou nesses quase 30 anos à frente da IMF. Se a série sempre foi uma aposta contra o impossível, O Acerto Final é uma aposta contra si mesma — e contra o próprio tempo.
A trama é grandiosa, mas caótica. O roteiro costura a conclusão da ameaça da Entidade, a inteligência artificial autoconsciente que paira como um “anti-deus” — e o roteiro não economiza nas analogias religiosas.
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O inimigo, agora, não é uma figura de carne e osso, mas o “Senhor das Mentiras”, capaz de manipular realidades, dados, até mesmo o destino do mundo, caso a chave digital caia em mãos erradas. Aqui, o roteiro faz de Ethan Hunt uma espécie de messias moderno, alguém disposto a se sacrificar — corpo e reputação — pelo bem de todos.
O filme é sobre os riscos e os limites do humano
Nada em O Acerto Final é pequeno. Cruise executa proezas físicas cada vez mais inacreditáveis, levando sua obsessão pelo real ao limite: saltos de biplano, perseguições aéreas e a tão aguardada sequência subaquática no Ártico, que mais parece um batismo à moda antiga, testando os limites do fôlego não só do personagem, mas do próprio espectador.
É aqui, aliás, que a saga mais aposta alto — e também onde quase escorrega. O primeiro ato é longo, expositivo e parece improvisado. O filme tem aquela cara de produção que foi “feita voando”, mudando roteiro conforme a equipe ganhava acesso a locações, orçamento, efeitos e, claro, à disposição do próprio Cruise de arriscar o pescoço.
Isso pesa no ritmo e nos diálogos, que se perdem entre explicações e flashbacks, mas quando engrena, entrega exatamente o que se espera: ação real, perigo real, cinema de verdade.
Quem morre, quem sobrevive, quem se despede?
Cuidado com os spoilers:
- Ethan Hunt não morre. Apesar de toda a publicidade em torno de “acerto final”, Cruise termina vivo, com destino em aberto, pronto para seguir em frente, ou não.
- Gabriel (Esai Morales) morre numa das sequências mais tensas, após perseguição e luta nos céus — a cena do biplano é a mais eletrizante do filme.
- Luther (Ving Rhames) morre em um sacrifício heroico — vítima de uma bomba deixada por Gabriel, mas não antes de deixar a Ethan uma mensagem de despedida emocionante, reconhecendo que “o mundo ainda vai precisar de você”.
- Benji (Simon Pegg) sobrevive, após participar da missão decisiva no Ártico.
- Grace (Hayley Atwell) se firma como protagonista do futuro: é ela quem auxilia Ethan nos momentos finais, recebe a Entidade aprisionada e fecha o ciclo da equipe com dignidade.
- Paris (Pom Klementieff), agora do lado dos heróis, também sobrevive e assume papel de destaque.
- Kittridge (Henry Czerny), fundamental nos bastidores, mantém sua posição de peça-chave no tabuleiro geopolítico.
O clímax é marcado por tensão real, não digital. Ethan salta de um avião prestes a cair, o paraquedas falha, e só na última fração de segundo (bem ao estilo Missão: Impossível) ele sobrevive. Não há glória: só alívio e exaustão.
O passado acerta as contas com o presente
O filme faz questão de amarrar pontas soltas desde o primeiro longa: Ethan reencontra William Donloe (da sala de dados do filme de 1996), que agora vive em paz no Ártico graças ao “fracasso” passado. E, principalmente, enfrenta Briggs, que se revela Jim Phelps Jr., filho do agente traído no primeiro filme. O perdão de Donloe e Jim Phelps Jr. fecha o ciclo: Ethan, pela primeira vez, é reconhecido não só como herói, mas como alguém digno de confiança, mesmo por aqueles que mais sofreu com suas ações.
Ao final, com a Entidade finalmente presa em um disco de dados 5D e o mundo salvo de um armagedom nuclear, Ethan entrega o futuro para Grace e desaparece em meio à multidão de Londres. Não há promessa de volta, nem certeza de fim. Apenas a verdade: o impossível, para Ethan Hunt, sempre foi seguir em frente — e perdoar a si mesmo.
O Acerto Final versus os outros filmes
Se Efeito Fallout foi o ápice da adrenalina, O Acerto Final é o ápice da complexidade. Há quem prefira o roteiro limpo dos filmes anteriores, mas impossível negar: Cruise transforma seu corpo, sua carreira e seu mito pessoal numa carta de amor ao cinema prático, ao risco real. O resultado? Uma obra imperfeita, mas absolutamente autêntica. É espetáculo, sim, mas também é vulnerabilidade.
No Rotten Tomatoes, a crítica (80%) foi menos generosa que o público (90%), e a razão está clara: para quem acompanhou a saga desde o início, há uma grandiosidade emocional que o cinema digital não replica. Para quem busca só ação, o filme às vezes se perde em seus próprios excessos. Para mim, é o fecho mais honesto possível: cansado, humano e real.
O que fica para mim
Saio do Moviecom convicto de que vi não apenas um filme, mas um rito de passagem. Tom Cruise pode nunca mais voltar como Ethan Hunt — ou pode surpreender e encarnar o personagem aos 70, 80 anos, como prometeu em entrevistas. Mas, por ora, não há dúvida: ele entregou tudo. E, por isso, Missão: Impossível termina como começou: sendo sobre risco, sobre fé, e — mais do que nunca — sobre humanidade.