Governo pode usar agências dos Correios para atender vítimas de fraude em benefícios do INSS

Governo pode usar agências dos Correios para atender vítimas de fraude em benefícios do INSS
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

No centro de um dos maiores escândalos recentes envolvendo o sistema previdenciário brasileiro, o governo federal estuda agora uma solução que, na prática, escancara a dimensão do problema: usar a rede de agências dos Correios para atender, presencialmente, aposentados e pensionistas afetados por fraudes nos benefícios do INSS.

O plano está em fase de análise e, segundo o próprio governo, ainda sem modelo definitivo. Mas o que já se sabe é suficiente para entender a gravidade da situação: milhares de beneficiários foram vítimas de descontos indevidos, e o Estado não tem, neste momento, estrutura suficiente para atendê-los com eficiência e dignidade. A alternativa: transferir parte do fluxo de atendimento para a rede dos Correios, uma estatal que há anos opera no limite de orçamento e pessoal.

A movimentação envolve representantes do Ministério da Previdência Social, INSS, Palácio do Planalto e da própria diretoria dos Correios. O que está em jogo é mais do que logística: é a tentativa de reconstruir minimamente a confiança da população em um sistema que falhou justamente com os mais vulneráveis.

As primeiras medidas do governo tentaram conter o problema pela via digital. O INSS começou a notificar os segurados pelo aplicativo Meu INSS sempre que fossem identificados descontos não autorizados. Mas a realidade logo se impôs: boa parte dos beneficiários afetados não tem acesso fácil à internet, não domina plataformas digitais ou sequer compreende que está sendo vítima de uma fraude.

A consequência é óbvia: a digitalização não pode ser a única porta de entrada para resolver uma crise que é, acima de tudo, humana. E por isso, a resposta presencial passou a ser debatida como prioridade — mesmo que tardiamente.

Segundo informações apuradas pelo próprio Portal N10, o foco da notificação digital é apenas o primeiro passo. Mas ele já se mostrou insuficiente frente à demanda e à complexidade da situação.

Correios, uma solução emergencial

A ideia de usar as agências dos Correios como canal auxiliar de atendimento não é nova. A estatal já presta serviços ao INSS em outras frentes, como prova de vida, envio de documentos e atualizações cadastrais. O diferencial agora é que ela entraria como frente emergencial para acolher segurados prejudicados por fraudes, com suporte presencial em municípios onde o INSS não dá conta — ou sequer está presente.

É importante lembrar que os Correios enfrentam dificuldades orçamentárias há anos. Suas agências, embora capilarizadas, operam com quadro reduzido de funcionários e limitação de estrutura física. Usá-las para atender uma crise previdenciária nacional levanta questões logísticas, operacionais e, acima de tudo, políticas.

Não há indícios de reforço orçamentário para a estatal nesse plano. E até o momento, não há um protocolo público detalhando como será feito esse atendimento, quantas agências participarão da operação ou qual será o suporte técnico necessário para que o segurado tenha o direito reconhecido e o ressarcimento processado.

Uma crise que exige mais do que contenção

A utilização dos Correios, na prática, representa uma tentativa de mitigar uma crise sem estrutura suficiente para enfrentá-la pela raiz. As fraudes nos descontos de aposentadorias não são casos pontuais — são reflexo de falhas sistêmicas no controle de consignações, na proteção de dados e na regulação das entidades autorizadas a operar dentro da folha do INSS.

Nos últimos anos, houve um crescimento explosivo de associações, cooperativas e sindicatos que aplicam descontos compulsórios ou forçam adesões com cláusulas obscuras, muitas vezes sem autorização expressa do segurado. E o Estado, mesmo ciente disso, demorou a agir.

Agora, com a crise instalada, o que se discute é como reagir — e não como prevenir.

Onde está a responsabilização?

Enquanto o governo articula a resposta administrativa, pouco se fala em responsabilização jurídica das entidades envolvidas nas fraudes. Tampouco há clareza sobre como o ressarcimento será feito, quem vai devolver o dinheiro, se haverá retroatividade, juros, ou se caberá ao próprio Tesouro Nacional bancar os prejuízos de terceiros.

Mais do que restituir valores, o governo precisa apresentar um plano claro de punição e bloqueio definitivo de entidades fraudulentas, além de criar mecanismos mais robustos de verificação e transparência sobre os descontos aplicados nos benefícios.

Sem isso, as medidas emergenciais se tornarão rotina, e os Correios, que deveriam ser apoio estratégico, acabarão absorvendo a função de atendimento que deveria estar estruturada nas agências próprias da Previdência.

A proposta de usar os Correios para atender vítimas de fraudes no INSS pode até ser funcional no curto prazo. Mas ela expõe a fragilidade de um sistema que terceirizou sua capacidade de resposta, e agora corre contra o tempo para não colapsar.

O Estado brasileiro falhou com os aposentados. E agora, precisa mais do que improvisar: precisa reconstruir a confiança, com presença, responsabilidade e estrutura.

Enquanto isso, milhões de brasileiros aguardam por uma resposta que, infelizmente, só virá por partes — e, talvez, atrás de um balcão dos Correios.

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