O que era ventilado nos bastidores agora é oficial: a governadora Fátima Bezerra (PT) deixará o cargo em abril de 2026 para disputar uma vaga no Senado Federal. Com isso, o vice-governador Walter Alves (MDB) assumirá o comando do Rio Grande do Norte por um período de nove meses — de abril até dezembro do próximo ano.
Trata-se de uma movimentação estratégica que atende não apenas aos interesses do PT, mas também reposiciona o histórico clã Alves no centro do poder institucional potiguar.
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Fátima confirmou a decisão nesta sexta-feira (9), em entrevista à rádio 95 FM. Disse que o projeto vem sendo amadurecido há meses, com o aval do presidente Lula, do PT nacional, dos aliados locais e, principalmente, do próprio vice-governador. “Caminhamos para isso. O vice-governador, com quem temos uma relação de muito carinho e respeito, assume o Governo para que eu vá disputar o Senado”, declarou.
A engenharia da transição
Ao renunciar para disputar o Senado, Fátima reedita um movimento que já fez em 2018, quando deixou o Senado para assumir o Executivo estadual. Agora, o percurso se inverte: ela devolve o mandato e volta a Brasília, caso eleita. A diferença é o impacto que isso terá no cenário local.
Walter Alves, embora tenha reiterado não ter interesse em disputar a reeleição ao governo, assumirá o Palácio dos Despachos por um período considerável. Não será um mandato tampão de transição burocrática. Serão nove meses no poder, com orçamento, decisões e presença institucional. Isso coloca o MDB, partido outrora dominante e hoje reposicionado, de volta à sala de comando do Estado — ainda que sem a caneta eleitoral nas mãos.
Trata-se, portanto, de uma aliança construída sobre confiança, mas também sobre cálculo.
O “governo Cadu” e a unidade forçada
Com Walter fora da disputa de 2026, o nome que o PT escolheu para dar continuidade ao projeto governista é o do atual secretário de Tributação, Carlos Eduardo Xavier, o Cadu. Sem nunca ter disputado uma eleição majoritária, Cadu será apresentado como a face da continuidade — um técnico transformado em candidato pela força da conjuntura e pela confiança da governadora.
“Estamos unidos e muito motivados com o nome de Cadu”, afirmou Fátima. O que não foi dito, mas é claro nos bastidores, é que a falta de opções confiáveis pesou na escolha. Walter declinou. Ezequiel, presidente da Assembleia, até flertou com a ideia de uma candidatura, mas recuou. Sobrou para o grupo petista o caminho do “plano B elevado a A”.
Cadu conta com um trunfo: a máquina. Comanda a pasta que mais arrecada, tem trânsito técnico entre prefeitos e empresários, e agora será catapultado ao centro da articulação política estadual. Mas falta-lhe lastro eleitoral, carisma midiático e rodagem popular. É uma aposta arriscada — ainda que embalada como natural.
Walter: um Alves no poder (ainda que sem disputa)
A ascensão de Walter Alves ao posto de governador, mesmo que por nove meses, tem enorme valor simbólico. Após anos sendo apontado como herdeiro de uma marca política em declínio, Walter assume o principal cargo político do Estado sem precisar disputar voto numa nova eleição. E o faz sob a bênção do PT, partido que já antagonizou duramente com a família Alves em eleições passadas.
Não se trata apenas de confiança pessoal. É um pacto pragmático. O MDB garante apoio à candidatura de Cadu. Em troca, o partido mantém espaço institucional e visibilidade. Walter, por sua vez, consolida-se como nome moderado e viável para o futuro — mesmo que não queira disputar 2026. A política, sabemos, muda de rumo com rapidez. E uma caneta no bolso sempre ajuda.
Senado: Fátima volta ao palco nacional
Ao anunciar sua pré-candidatura ao Senado, Fátima reforça o que já era sinalizado nos bastidores de Brasília: o PT quer montar um novo cinturão de aliados confiáveis na Casa Alta, mirando um eventual segundo mandato de Lula. Fátima, com popularidade consolidada no RN e histórico de fidelidade, é peça-chave nesse tabuleiro.
E sua volta ao Senado pode, inclusive, ser estratégica para o PT manter espaço de manobra legislativa no Nordeste, especialmente após as derrotas em estados como Alagoas e Sergipe, onde candidatos da federação não decolaram em 2022. Fátima carrega votos, narrativa e credibilidade. E o Planalto sabe disso.
Ezequiel de fora — por enquanto
Outro movimento silencioso, mas importante, é o afastamento de Ezequiel Ferreira (PSDB) do debate sucessório imediato. Presidente da Assembleia, articulador experiente e peça-chave na governabilidade de Fátima, Ezequiel foi sondado, mas já indicou que sua prioridade não será o Executivo. E mais: deu aval público à candidatura de Cadu Xavier.
Isso não significa que está fora do jogo. Ao contrário. Ezequiel mantém-se como curinga valioso, seja como nome ao Senado, à Câmara Federal ou mesmo como apoiador decisivo no segundo turno. Seu recuo agora preserva sua força para mais adiante. Política também se joga no tempo.
O tabuleiro está armado
Com a saída anunciada de Fátima, o Rio Grande do Norte viverá uma transição inédita desde o retorno da democracia. Uma petista passa o governo a um Alves — sem ruptura, sem crise. E, ao mesmo tempo, o PT projeta o futuro em um nome técnico, ainda desconhecido da maioria da população.
É uma movimentação delicada, mas engenhosa. Fátima mostra que governa com pragmatismo, sem perder o controle da sucessão. Walter mostra que pode ser leal e relevante — mesmo fora do centro da disputa. E Cadu se prepara para ser mais do que um secretário: será testado como símbolo de continuidade e estabilidade.
O jogo de 2026 já começou. E, como sempre, quem se mexe antes — joga melhor.