Nas redes sociais, ele é conhecido como o “Menino do Vício”. Mas longe dos rótulos simplistas, Lucas Henrique, 26 anos, representa algo mais raro e valioso na internet de hoje: um processo de recuperação honesto, solitário e corajoso, compartilhado página por página — literalmente.
Morador de Jussara, no interior do Paraná, Lucas ganhou visibilidade nacional ao mostrar como a leitura o ajudou a sair do vício em drogas, especialmente a cocaína.
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Seu conteúdo, publicado inicialmente sem pretensão, começou a tomar forma quando ele decidiu contar publicamente como os livros passaram a ocupar o espaço da dependência. Em apenas três meses, leu 18 livros — e fez questão de mostrar cada um deles em um vídeo que hoje ultrapassa 4,7 milhões de visualizações.
“Sou um recém-largado, ainda em recuperação. Ex-adicto. Não sabia que era tanto livro assim…”, diz ele segurando uma pilha de títulos, com voz embargada e olhos sinceros.
A reconstrução em capítulos
Lucas não esconde as recaídas, nem romantiza o processo. Ele nomeia cada etapa da recuperação, registra o primeiro, o segundo, o terceiro mês — e compartilha os bastidores com quem o acompanha. É uma espécie de diário em tempo real, no qual ele transforma cada avanço em combustível coletivo.
O vídeo que viralizou mostra mais do que livros. Mostra um gesto de resistência num país onde o abandono de dependentes químicos costuma ser a regra. Enquanto os sistemas falham, Lucas encontrou apoio onde menos esperava: no algoritmo do TikTok e na generosidade de desconhecidos.
O perfil @meninodovicio se tornou um espaço de acolhimento. Não há ostentação, cortes de edição nem fórmulas de viralização. Há apenas um jovem tentando ocupar o lugar que antes era do consumo, com literatura, silêncio e resgate pessoal.
A literatura como tábua de salvação
Os livros que ele segura nos vídeos não foram escolhidos ao acaso. Muitos vieram por sugestão dos próprios seguidores. Outros, ele buscou intuitivamente, como quem procura respostas entre as linhas para uma vida que sempre pareceu rasurada. Títulos sobre propósito, identidade, fé, disciplina e vícios aparecem entre as obras que ele comenta, com linguagem simples e sem qualquer pretensão técnica.
Lucas descobriu, na prática, o que a ciência e os estudos acadêmicos vêm tentando provar: que a leitura pode ser terapêutica, capaz de reorganizar a psique, oferecer sentido e quebrar o ciclo de compulsão.
Mais do que isso, ele se deu conta de que ler e contar sua própria história ao mesmo tempo cria um efeito de cura coletiva. O público que o acompanha vibra, incentiva, se emociona. E muitos começam a seguir o mesmo caminho.
Uma família digital, onde antes havia silêncio
“A internet deveria ser isso”, comentou um seguidor. “Desafios superados, sem filtro.” Outro disse: “Fico orgulhosa como se fosse amiga dele”.
Há, nos comentários, um sentimento de pertencimento raro. Gente que também luta contra vícios. Gente que perdeu parentes para as drogas. Gente que só precisava de um exemplo real, nu e cru, para começar a tentar também.
Lucas chama essa rede de apoio de sua “grande família virtual”. E faz sentido. Para alguém que enfrentou a abstinência sozinho, sem clínica, sem suporte médico, os comentários foram a mão estendida em meio à crise.
“As crises de abstinência me derrubaram. Tive recaídas. Mas segui. Os vídeos me ajudaram a não desistir”, relatou ele em um dos posts.
Além da inspiração: o que isso revela sobre o Brasil?
O caso de Lucas é tocante, mas também revela um vácuo institucional. Faltou suporte e acesso garantido a tratamento psicológico, acompanhamento social. A literatura surgiu para ele onde deveria haver política pública.
A ascensão do “Menino do Vício” também mostra que as redes sociais ainda podem ser espaços de reconstrução e verdade, desde que o conteúdo não seja pasteurizado. Não há roteiros nos vídeos dele, nem storytelling ensaiado. O que viraliza é justamente a vulnerabilidade.
É um contraponto necessário à superficialidade dominante nas plataformas. E um lembrete de que a transformação pode acontecer, mesmo com as ferramentas mais simples — um livro, uma câmera, um desabafo.
O perfil de Lucas no TikTok é o @meninodovicio. Lá, ele continua publicando relatos mensais, responde seguidores e compartilha livros que têm ajudado na jornada. É um espaço onde a esperança é construída com consistência — e onde cada curtida parece, de fato, um sinal de resistência e afeto.