O que significa uma boa notícia num estado acostumado a tragédias?
Essa pergunta me atravessou quando li, sem alarde, o dado mais importante da semana: o Rio Grande do Norte foi o estado que mais reduziu a taxa de homicídios em todo o país. Os dados são do Atlas da Violência 2025, publicado nesta segunda-feira (12) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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O levantamento mostra uma queda de 18,8% nas mortes violentas em território potiguar entre 2022 e 2023 — o melhor resultado do Brasil. Em números absolutos, foram 955 homicídios em 2023, contra 1.167 no ano anterior.
É um dado que surpreende. Mas não porque o RN está bem. É que a gente se acostumou a estar sempre mal.
O Atlas mostra ainda que a redução foi ainda maior entre os jovens de 15 a 29 anos: menos 24,5%. Um alívio. Mas também um espelho — de quem são as vítimas, de onde caem os corpos, de como o Estado trata a juventude negra e periférica que, por muito tempo, foi estatística silenciosa.
Dizer que a violência diminuiu é uma coisa. Dizer que o povo se sente mais seguro é outra. Essa distância entre o dado e a vida real precisa ser encarada. Afinal, qual bairro da Grande Natal hoje permite que uma mãe durma tranquila sabendo que o filho pode voltar da escola depois das sete da noite?
Um número, muitos silêncios
Quando o Rio Grande do Norte figurava no topo da lista dos estados mais violentos do Brasil, o noticiário reagia com manchetes. O poder público, com promessas. A população, com medo. Agora que o estado lidera um ranking positivo, a reação é quase tímida.
É como se a gente não soubesse reagir à melhora. Desacostumados com boas notícias, passamos a desconfiar delas. E com razão.
Sim, o número caiu. Mas a violência não desapareceu — ela se reorganizou. A letalidade recuou, mas o medo continua alto. O tráfico, por exemplo, não saiu da periferia. Apenas se adaptou… se impôs com outra tática. E as facções hoje dominam pelo controle social. A lógica deles agora é a gestão do território.
A sensação de segurança não se resume a menos mortes. Ela depende de iluminação pública, escola funcionando (de forma integral, se possível), posto de saúde atendendo, patrulha de verdade, e não só viatura em alta velocidade às duas da manhã.
O dado é real. A dúvida também.
Não se trata de negar a conquista. 212 vidas poupadas em um ano é um número gigante. Talvez o maior da década. É mais do que estatística: são mães que não choraram, enterros que não aconteceram, histórias que seguiram.
Mas é preciso entender o que permitiu essa virada. Foi estratégia? Investimento? Foi a sorte de um ano com menos confrontos entre facções? Foi ação governamental ou retração do crime por motivos próprios? Sem essa resposta, não há segurança — só pausa.
E mais: a redução dos homicídios não significa que o Rio Grande do Norte está seguro. Ele continua entre os mais violentos do país.
Onde o Estado não chegou, o medo ficou
A melhora é uma linha no gráfico. Mas o medo ainda é rotina em Felipe Camarão, Cidade Nova, Mãe Luiza, Nova Natal, Pajuçara, Soledade, Dix-Sept Rosado. Basta conversar com quem mora ali. O Estado aparece com números, mas não com presença contínua. E a ausência de presença abre espaço para o poder paralelo.
A paz, para existir, precisa ser sentida. E o potiguar comum ainda não caminha tranquilo à noite. Ainda ensina o filho a evitar certos caminhos. Ainda manda áudio quando chega em casa. Ainda reza ao passar por uma blitz.
Então, que a redução seja comemorada, sim. Mas com o pé no chão.
Não é hora de campanha, nem de propaganda institucional. É hora de transformar dado em política. E, mais que isso, de entender que segurança não se constrói apenas com armas — mas com escolas, saúde, dignidade e oportunidade real.
O Rio Grande do Norte precisa, mais do que nunca, fazer dessa estatística uma virada de chave. Porque, se o número baixou, mas a paz não chegou, então ainda não vencemos.