O governo municipal de Mossoró atravessa um novo capítulo — e não por uma obra entregue ou programa social ampliado. O que chama atenção agora é uma portaria administrativa que expõe, com crueza, o espírito que vem guiando a gestão Allyson Bezerra (União Brasil): o da desconfiança generalizada.
A Portaria nº 90, publicada no Diário Oficial do Município em 6 de maio de 2025, transforma o ato de apresentar um atestado médico em um labirinto burocrático e invasivo, onde o servidor doente é tratado como alguém sob suspeita até prova em contrário.
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A medida, assinada pelo secretário Marcos Antônio de Oliveira, estabelece um fluxo de “validação” de atestados que passa por preenchimentos eletrônicos, comprovantes de residência, detalhamento clínico, conduta terapêutica e perícias adicionais — mesmo para afastamentos de apenas um ou dois dias. A justificativa oficial é “garantir a integridade da gestão funcional”. Mas o subtexto é claro: o servidor precisa provar, a cada febre, que não está fingindo.
Quando o controle ultrapassa a dignidade
A leitura atenta da portaria revela um regime de controle rígido, típico de ambientes onde o Estado trata seus funcionários como potenciais adversários. O servidor que adoecer deverá, no prazo máximo de 24 horas, registrar o atestado médico via SEI (Sistema Eletrônico de Informações), preencher requerimentos internos, anexar comprovante de residência atualizado dos últimos 3 meses e fornecer, se autorizado, diagnóstico, exames, receita e descrição das limitações laborais impostas pela enfermidade.
Parece razoável? Não no contexto de afastamentos curtos, que antes bastavam com um documento assinado por profissional habilitado. Agora, qualquer ausência precisa ser detalhadamente justificada perante um corpo técnico que pode, ao final, indeferir o pedido — e lançar a falta na folha, com desconto no salário.
E mais: o servidor poderá ser convocado para perícia presencial, remota ou in loco pela chamada Junta Biopsicossocial do Município de Mossoró. Até mesmo casos de diarreia, virose ou condições transitórias leves, que antes exigiam repouso e bom senso, entram agora num sistema que parte do princípio de que toda dor precisa de verificação. A suspeita virou política pública.
A mudança normativa não ocorre no vácuo. Ela se insere em um contexto já conhecido pelos trabalhadores do serviço público mossoroense: desconfiança institucional e a sensação constante de vigilância. Nos grupos internos, nas redes e nos bastidores, a portaria é tratada como mais uma peça da engrenagem de pressão que a gestão Allyson Bezerra vem operando, especialmente sobre categorias mais mobilizadas, como professores e agentes de saúde.
O resultado é corrosivo: o ambiente funcional adoece. E não por acaso. O que se instala com esse tipo de portaria não é apenas a burocracia — é o medo. O receio de faltar por estar doente e não ter o atestado aceito. O receio de contrariar a chefia e ser “lembrado” no processo. O receio de pedir licença e ser rotulado de ausente. Tudo isso constrói uma cultura de autoritarismo administrativo que esvazia o serviço público daquilo que o sustenta: a confiança.
A portaria é assinada por Marcos Antônio de Oliveira, hoje titular da Secretaria Municipal de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas. O mesmo que passou pela Secretaria de Educação. Agora, à frente da pasta que deveria garantir a valorização do funcionalismo, Marcos torna-se símbolo de uma política que não dialoga — apenas impõe.
E o prefeito Allyson Bezerra? Silêncio. Nenhuma manifestação pública sobre o conteúdo da portaria. Nenhum esclarecimento à sociedade. Nenhuma escuta aos sindicatos. Para quem tanto fala em diálogo e gestão moderna, o mutismo diante de uma medida tão sensível é revelador. Governar também é dar a cara a decisões impopulares. E Allyson, nesse caso, preferiu se ocultar por trás da assinatura do auxiliar.
A política do “giro” e a desconexão com o chão da prefeitura
A portaria 90 também expõe outro traço da gestão Allyson Bezerra: uma visão de governo mais preocupada com imagem e performance do que com as rotinas administrativas reais. Enquanto o prefeito foca em vídeos de entrega de obras, agendas externas e slogans publicitários, o dia a dia do servidor vira um campo de tensão — onde tudo parece ser monitorado, burocratizado e dificultado.
A ideia de que o atestado precisa ser “confirmado” por um processo quase inquisitorial não tem paralelo nos municípios do mesmo porte. O que se vê, em comparação com outras prefeituras do RN e do Nordeste, é um sistema desproporcional e punitivo. E isso diz muito mais sobre a forma de pensar o servidor do que sobre o “controle” de gastos ou fraudes.
Quando até adoecer vira ato político
O maior problema da Portaria nº 90 não está na existência de regras. Está na forma como essas regras tratam o servidor. O texto inteiro parte de um pressuposto de dúvida, de que o trabalhador pode estar tentando burlar o sistema. E se houver uma minoria que abusa do direito? Que se investigue, que se atue pontualmente. Mas criminalizar preventivamente a totalidade dos servidores é jogar contra a própria saúde institucional do município.
Adoecer não é escolha. E fazer da doença um ponto de checagem política é distorcer o papel do Estado. Um bom governo deveria se preocupar em garantir que seus servidores estejam saudáveis, produtivos e respeitados. O que a Portaria nº 90 faz é o oposto: diz ao servidor que, mesmo doente, ele ainda precisa provar que merece descanso.
O que a Prefeitura de Mossoró deveria fazer agora é revogar, ouvir e reconstruir. Mas dificilmente o fará.