No Brasil de polarizações extremas, gestos institucionais ganham peso ainda maior. E foi justamente isso que chamou atenção esta semana: a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro agradeceu publicamente à governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), por ter oferecido apoio e estrutura para o socorro médico ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante um mal-estar no interior potiguar.
O episódio ocorreu em Santa Cruz, cidade do Trairi, onde Bolsonaro participava de uma agenda política. Após sentir fortes dores abdominais, o ex-presidente foi levado às pressas para atendimento inicial no Hospital Municipal de Santa Cruz e, posteriormente, transferido por helicóptero ao Hospital Rio Grande, em Natal. O transporte aéreo — importante para evitar agravamento do quadro — foi disponibilizado pelo Governo do Estado, sob ordens diretas da própria governadora.
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Michelle agradeceu nas redes:
“Agradeço ao senador Rogério Marinho e à governadora Fátima Bezerra, que nos deram todo o suporte necessário para a transferência do meu marido.”
A frase não passou despercebida. Em tempos de ambiente tóxico nas redes sociais e discursos radicais nos palanques, um agradecimento vindo de uma das figuras mais identificadas com o bolsonarismo à principal representante petista do Nordeste é, no mínimo, simbólico.
O gesto que atravessa o espectro político
Fátima Bezerra não respondeu publicamente ao agradecimento. Mas o gesto foi institucional — e necessário. O dever de um governo estadual é zelar pela integridade de qualquer cidadão, ainda mais de um ex-chefe de Estado, em situação de risco à saúde.
Mais do que isso, o episódio expôs a diferença entre a política institucional e a retórica inflamada. Enquanto aliados de Bolsonaro costumam se referir ao PT como um inimigo a ser eliminado, o governo de Fátima — mesmo diante de um adversário que frequentemente a atacou — agiu com humanidade e responsabilidade.
O quadro de Bolsonaro: saúde frágil e pressão política
Bolsonaro foi transferido de Natal para Brasília e, posteriormente, internado no Hospital DF Star, onde passou por uma cirurgia de 12 horas para corrigir complicações no intestino — ainda sequela da facada sofrida em 2018. Foram 20 dias em UTI, em estado que exigiu atenção contínua da equipe médica. A decisão de trocar de cirurgião — substituindo o médico Antônio Macedo, que o acompanhava desde 2018, por Cláudio Birolini, da USP — partiu dos filhos, conforme Michelle relatou.
O episódio gerou comoção entre apoiadores e alimentou especulações políticas sobre a saúde do ex-presidente e sua capacidade de manter protagonismo eleitoral. Nos bastidores, inclusive, há quem veja a recuperação como determinante para a definição de lideranças da oposição em 2026.
O papel do Rio Grande do Norte
Do ponto de vista regional, o episódio revelou também a estrutura pública disponível no estado para atendimentos de emergência. O uso de helicóptero do Governo do Estado mostra que, embora ainda com deficiências, o sistema aeromédico potiguar é funcional — e essencial. Isso vale não só para autoridades, mas para situações de urgência em municípios afastados da capital.
O episódio também acende alerta para a necessidade de fortalecimento de hospitais regionais, como o Hospital de Santa Cruz, que atendeu inicialmente o ex-presidente. Em muitas situações, a população da região não tem acesso a remoções aéreas — e depende de ambulâncias em rodovias com estrutura precária.
O caso de Bolsonaro evidencia, mesmo que involuntariamente, a urgência de fortalecer a saúde pública no interior. O que foi possível para o ex-presidente deve ser realidade para qualquer cidadão.
Quando política vira maturidade institucional
A relação entre Jair Bolsonaro e Fátima Bezerra nunca foi amistosa. Enquanto ele governava o Brasil com ataques sistemáticos à educação, cultura e imprensa, Fátima defendia o Consórcio Nordeste e a autonomia federativa dos estados. Em 2022, protagonizaram embates indiretos durante a eleição — com o RN garantindo a Lula uma das maiores vitórias proporcionais do país.
Mesmo assim, na hora em que a vida do adversário estava em risco, a governadora não hesitou. Nem pediu gratidão. Apenas fez o que se espera de um chefe de Estado: agir com decência.
Michelle reconheceu o gesto. E isso diz muito.
O gesto importa
Em um país dividido, o gesto de Fátima Bezerra fala mais alto do que muitos discursos de conciliação. Agir com responsabilidade institucional diante de um adversário político extremo é, sim, uma vitória da política com “P” maiúsculo — aquela que constrói pontes mesmo em meio a muros.
Ao agradecer à governadora do PT, Michelle Bolsonaro talvez não tenha mudado de opinião sobre ideologia, mas, voluntariamente ou não, ajudou a mostrar que é possível haver civilidade até mesmo entre polos antagônicos.
E é esse tipo de civilidade que a política brasileira precisa resgatar. Urgente.