Deputados estaduais do RN lideram supersalários no Brasil — e a conta, claro, é pública

Enquanto isso, professores aposentados esperam atualização de salários, servidores da saúde denunciam sobrecarga, e o cidadão comum, que paga a conta, sequer entende de onde vêm os números — mas sente onde eles faltam.
Deputados estaduais do RN lideram supersalários no Brasil — e a conta, claro, é pública
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte (ALRN)

Um levantamento do jornal O Globo, publicado nesta semana, revelou o que muitos potiguares já suspeitavam: os deputados estaduais do Rio Grande do Norte são os que mais recebem acima do teto constitucional em todo o país. Com vantagens que ultrapassam R$ 66 mil mensais, os parlamentares locais lideram um ranking de distorções salariais sustentadas por uma estrutura jurídica engenhosa, mas eticamente insustentável.

A base salarial, que por lei deveria ser limitada a R$ 34,7 mil, equivalente a 75% do vencimento de um deputado federal, é complementada por um arsenal de verbas indenizatórias, auxílios, gratificações e penduricalhos que escapam do controle público. Tudo isso ocorre sem transparência plena, com base em interpretações jurídicas que esvaziam o espírito do teto constitucional previsto no artigo 37 da Constituição Federal.

A Assembleia Legislativa do RN sequer respondeu à reportagem — e o silêncio fala alto.

O que há por trás do contracheque

O estudo aponta que a média da remuneração bruta dos deputados estaduais em 2024 foi de R$ 46,5 mil, com nove estados ultrapassando os R$ 50 mil. No caso do RN, o valor chegou a R$ 66 mil, o mais alto da federação. Mas o dado que mais impressiona não é o número em si — e sim a falta de detalhamento sobre sua origem.

Boa parte dessa diferença é justificada por auxílios não tributáveis e indenizações amplamente autorizadas pelos próprios legislativos estaduais. Auxílio-alimentação, auxílio-paletó, gratificações por cargos de liderança e funções comissionadas. São mecanismos que transformam o teto em ficção, amparados por brechas legais e decisões que fragilizam o princípio da moralidade pública.

Em Pernambuco, por exemplo, o vale-refeição dos deputados chega a R$ 3.400 por mês. Em Minas Gerais, o auxílio-moradia foi reajustado em 78%. Em Goiás e Mato Grosso, gratificações por “representação” chegam a 50% do salário.

Esses valores não entram no cálculo do teto porque são considerados verbas indenizatórias, apesar de funcionarem, na prática, como salário indireto.

Legal, mas moral?

O respaldo jurídico existe. O Supremo Tribunal Federal entende que o teto constitucional só se aplica a parcelas de natureza remuneratória, ficando de fora as indenizações previstas em lei. É o parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição, interpretado com elasticidade por quem recebe — e com impotência por quem paga.

O ministro André Mendonça, em decisão recente, reafirmou essa leitura. Mas outros tribunais, como o TJ-SP, já entenderam o contrário. Em 2013, o Judiciário paulista considerou inconstitucional o pagamento de auxílio-moradia a deputados, sob o argumento de que a remuneração parlamentar deveria seguir o modelo de subsídio único, sem adicionais ou benefícios agregados.

O que está em jogo, portanto, não é a legalidade — é a legitimidade. A lei autoriza, mas o princípio da moralidade pública, pilar da administração brasileira, sai ferido.

O RN no topo — e o silêncio da Casa

O caso potiguar chama atenção não apenas pelo valor, mas pela ausência de resposta institucional. Enquanto outras Assembleias ainda se pronunciaram ou forneceram dados, a ALRN não comentou os números revelados pela imprensa. É o tipo de silêncio que ajuda a manter privilégios blindados e impede o debate público sobre limites, deveres e prioridades.

Cabe lembrar que o RN atravessa uma crise fiscal crônica. Faltam recursos para saúde básica, para manutenção de escolas, para vigilância nos hospitais. Mas, no topo do funcionalismo, há espaço para sobras e bônus — pagos com dinheiro que falta na base.

A reportagem de O Globo também mostra que, longe de tentar conter os excessos, as Assembleias Legislativas estão acelerando novos projetos de ampliação dos benefícios. O vale-alimentação da Alerj (RJ), por exemplo, pode chegar a R$ 2,9 mil por mês. O auxílio-paletó — pago no início e fim do mandato — ainda é regra em grande parte dos estados.

E esses projetos tramitam com celeridade rara e aprovação unânime, demonstrando que o corporativismo entre parlamentares supera com folga qualquer preocupação com o erário.

No RN, não há notícias de qualquer proposta interna de revisão ou contenção dessas vantagens. Tampouco de regulamentação mais clara e transparente dos benefícios. A sociedade civil continua de fora do debate, e o orçamento continua a bancar um modelo que premia quem legisla — com dispensa de moderação.

Quando o teto é o chão

A promessa de um teto remuneratório era simples: impedir abusos, garantir isonomia e proteger os cofres públicos. Mas o que se criou foi um sistema onde o teto virou piso — e onde as exceções viraram regra.

Enquanto isso, professores aposentados esperam atualização de salários, servidores da saúde denunciam sobrecarga, e o cidadão comum, que paga a conta, sequer entende de onde vêm os números — mas sente onde eles faltam.

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte precisa responder à sociedade. Não apenas com notas técnicas ou explicações legais — mas com gesto político de autocontenção, responsabilidade e transparência.

Porque do jeito que está, não é apenas o teto que foi rompido. É a confiança pública.

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