Bolsonaro tenta retomar paternidade política de obra federal em Mossoró

O anel viário, no campo factual, carrega assinatura compartilhada de dois governos antagônicos — Bolsonaro e Lula — mas vem sendo tratado, na prática, como um ativo administrativo exclusivo da gestão Allyson Bezerra.
Bolsonaro tenta retomar paternidade política de obra federal em Mossoró
Bolsonaro é celebrado em Mossoró (Foto: cedida)

No jogo da política, nem sempre a disputa é travada abertamente no discurso. Às vezes, o silêncio e a omissão dizem mais do que declarações explícitas. É nesse terreno — o da omissão calculada — que se insere a movimentação política em torno do novo anel viário de Mossoró, palco silencioso de uma disputa velada por paternidade de uma obra pública com DNA federal.

Agora em junho, o ex-presidente Jair Bolsonaro retorna ao Rio Grande do Norte com uma agenda de três dias, e insere na sua passagem por Mossoró um gesto claramente calculado: vai visitar o anel viário, obra que começou a ser gestada ainda sob sua gestão, com recursos viabilizados quando Rogério Marinho era ministro do Desenvolvimento Regional.

O gesto é direto e politicamente simbólico: Bolsonaro e Marinho buscam reapropriar-se da narrativa de que a obra existe graças ao projeto de infraestrutura tocado ainda no período do governo anterior, em 2022. E escolhem fazer isso num momento em que o prefeito Allyson Bezerra, ex-aliado dos dois, segue estrategicamente omitindo o nome de ambos em qualquer fala pública sobre a obra.

Allyson, hoje filiado ao União Brasil, rompeu com Marinho e Bolsonaro ainda durante o reposicionamento político pós-2022, mas manteve a obra como ativo de gestão, sem fazer referência pública nem à origem dos recursos nem ao papel do governo federal atual na sua continuidade. Essa neutralidade forçada tem sido o principal ponto de tensão nos bastidores políticos mossoroenses.

A obra, que será um divisor logístico para Mossoró, tem hoje recursos aportados tanto da cota de empenho ainda garantida na transição de 2022 quanto da liberação já executada pelo governo Lula, através dos fluxos financeiros federais atuais. Ou seja: o anel viário, no campo factual, carrega assinatura compartilhada de dois governos antagônicos — Bolsonaro e Lula — mas vem sendo tratado, na prática, como um ativo administrativo exclusivo da gestão municipal.

Não por acaso, já há dentro do próprio governo federal quem planeje incluir Mossoró na agenda de Lula nos próximos meses, justamente para expor à opinião pública que o projeto, agora em fase mais avançada de execução, está sendo efetivamente financiado com os repasses federais atuais.

Essa disputa de paternidade administrativa é, na verdade, uma extensão do cenário eleitoral que já começa a se montar para 2026. Bolsonaro e Rogério Marinho têm interesse evidente em reposicionar o PL como contraponto direto ao governo Lula no Nordeste — e, nesse sentido, reapropriar-se de obras de grande impacto regional vira ativo estratégico.

Allyson, por sua vez, ainda joga uma partida mais delicada. Precisa apresentar entregas à população, manter espaço de diálogo institucional com o governo federal — de onde saem boa parte dos recursos disponíveis —, mas não pode hostilizar de forma aberta o bolsonarismo local, que ainda preserva forte base eleitoral em Mossoró e no Oeste potiguar.

O silêncio de Allyson, portanto, não é mero acaso. É cálculo. Evitar citar Bolsonaro e Lula na mesma medida serve como tentativa de preservação de capital político neutro, mantendo as portas abertas com ambos os lados enquanto administra o equilíbrio de sua popularidade.

Já Bolsonaro, que não atua mais sob o peso da cadeira presidencial, usa a visita ao anel viário de Mossoró não apenas para marcar território, mas para resgatar publicamente uma obra federal no solo de um ex-aliado que hoje o mantém à distância. Leva junto consigo Rogério Marinho, que mantém a pré-campanha informal em ebulição, buscando consolidar o PL como polo sólido da oposição federal no estado.

Por trás de tudo isso, há ainda a disputa objetiva pela narrativa junto ao eleitorado mossoroense: quem trouxe a obra? Quem garantiu o recurso? Quem está executando? São perguntas que interessam diretamente à percepção política dos grupos locais, tanto na esfera municipal quanto estadual e federal.

No fim, o anel viário de Mossoró não será apenas uma obra de infraestrutura. Tornou-se, na prática, uma vitrine silenciosa de uma disputa política nacionalizada, onde cada visita de Bolsonaro, cada eventual agenda de Lula, e cada silêncio de Allyson carregam um peso eleitoral que extrapola o concreto e o asfalto.


Confira a agenda de Bolsonaro no RN entre os dias 12 a 14 de junho

Dia 12

– 11h – Chegada ao Aeroporto de São Gonçalo do Amarante

– 12h – Almoço com digital influencers

– 14h30 – Entrega de títulos de cidadania natalense e norte-rio-grandense

Local: Câmara Municipal

– 16h – Engorda de Ponta Negra

Local: Próximo ao Morro do Careca

Dia 13

– 7h – Visita ao Hospital Rio Grande

– 9h30 – Tangará

– 10h30 – Santa Cruz: Visita ao Hospital Municipal e ao Santuário de Santa Rita de Cássia

– 13h – Acari: Visita à Cidade da Moda

– 15h – Jucurutu: Barragem de Oiticica

– 19h – Mossoró Cidade Junina

Dia 14

– 7h – Visita ao Anel Viário e entrega de título de Cidadão Mossoroense

– 8h – Seminário Rota 22

Local – Garbos Hotel

– 14h30 – Aeroporto de São Gonçalo do Amarante

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