Natal registrou uma média de 125 milímetros de chuva em apenas 24 horas — número suficiente para lembrar, mais uma vez, que a cidade não suporta um dia de precipitação intensa sem colapsar.
A água invadiu casas, afundou carros, derrubou muros e transformou ruas em rios. A sensação, para quem acompanhou as imagens da madrugada de terça-feira (17) para quarta (18), é de que não há planejamento urbano que resista — ou sequer exista — quando chove em Natal.
Não perca nada!
Faça parte da nossa comunidade:
Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), o volume acumulado ultrapassou os 150mm em bairros como Ponta Negra. Os dados fazem parte do boletim pluviométrico extraordinário divulgado nesta quarta-feira (18), elaborado a partir da rede de monitoramento climático da Prefeitura, com 54 pontos de coleta distribuídos em toda a cidade.
As Zonas Sul e Oeste foram as mais atingidas, com médias de 139,3mm e 134,5mm, respectivamente. O sistema de monitoramento, desenvolvido em parceria com a UFRN, é parte do Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas — e tem como promessa ampliar a transparência e fornecer dados públicos confiáveis sobre as condições climáticas da capital.
Mas enquanto os números são exibidos em boletins bem produzidos, a população atravessa avenidas com água até os joelhos.
O que os dados não escorrem
É importante reconhecer o esforço de mapeamento da Prefeitura. Os dados da Semurb são precisos e bem organizados. A ampliação da rede, com novos termo-higrômetros e estações meteorológicas, é louvável. Mas, com todo o respeito aos gráficos e tabelas: de que adianta saber exatamente quantos milímetros caíram, se não há estrutura para que a água vá embora?
Não é ciência o que falta. É ação.
Na Cidade da Esperança, a lagoa transbordou. No Loteamento José Sarney, Zona Norte, a água invadiu as casas, e a dona de casa Zélia Targino teve que proteger a cadeira de rodas elétrica da filha para não perder o que levou anos para conseguir. “A gente é obrigado a viver assim, porque não tem outro canto pra ir”, desabafou.
Na Zona Leste, a garagem de um condomínio virou aquário de carros de luxo. E na Ponta Negra engordada, a cratera próxima ao Morro do Careca voltou a abrir. A cerca caiu. A engenharia cedeu.
E o robô do prefeito?
Difícil não lembrar do robô de drenagem anunciado com pompa por Paulinho Freire no início do ano. Como bem lembrado pelo jornalista Heitor Gregório, a máquina, importada da Alemanha, foi vendida como revolução: mapeamento de galerias, detecção de entupimentos, fim dos alagamentos.
“Com esse novo equipamento tecnológico, o processo de drenagem e fiscalização vai ser mais eficiente, reduzindo os riscos de obstruções e alagamentos”, disse o prefeito, em tom otimista — ou excessivamente esperançoso.
Três meses depois, o robô sumiu. O alagamento ficou. Nas ruas, já circula o apelido ácido: Robô Reborn.
A cidade afunda, enquanto o robô, se ainda estiver ativo, provavelmente atolou em alguma galeria esquecida.
Boletim técnico, lama real
A Semurb afirma que o boletim “é uma ferramenta de prevenção, planejamento urbano e transparência”. Está certo. Mas prevenção exige ação antes da chuva, e planejamento não se mede só em estações meteorológicas, mas em escoamento funcionando e infraestrutura que suporte o óbvio: que junho, em Natal, chove.
O problema não é a falta de previsão. É a ausência de execução.
A Prefeitura pode ter uma rede de monitoramento. Pode ter parcerias com universidades. Pode distribuir gráficos bonitos para imprensa. Mas o que a população precisa — e não tem — é resposta prática.
A cidade está saturada. E a paciência também.
Os dados estão aí. A ciência está aí. A previsão estava feita. A chuva veio. E Natal, mais uma vez, não estava pronta.
O povo nadou, empurrou carro, perdeu móveis. A cidade boiou em descaso. E o que era pra ser rotina de inverno virou tragédia antecipada.
A pergunta que fica não é “quanto choveu?”, mas sim: quantas vezes mais será preciso repetir essa manchete até que algo mude?
Nossa página no Instagram está fazendo uma cobertura ampla em vídeos e você pode conferir clicando aqui.