A cada chuva, Natal vira notícia pela mesma tragédia

Os dados estão aí. A ciência está aí. A previsão estava feita. A chuva veio. E Natal, mais uma vez, não estava pronta.
A cada chuva, Natal vira notícia pela mesma tragédia
Foto: Rafael Nicácio / Portal N10

Natal registrou uma média de 125 milímetros de chuva em apenas 24 horas — número suficiente para lembrar, mais uma vez, que a cidade não suporta um dia de precipitação intensa sem colapsar.

A água invadiu casas, afundou carros, derrubou muros e transformou ruas em rios. A sensação, para quem acompanhou as imagens da madrugada de terça-feira (17) para quarta (18), é de que não há planejamento urbano que resista — ou sequer exista — quando chove em Natal.

Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), o volume acumulado ultrapassou os 150mm em bairros como Ponta Negra. Os dados fazem parte do boletim pluviométrico extraordinário divulgado nesta quarta-feira (18), elaborado a partir da rede de monitoramento climático da Prefeitura, com 54 pontos de coleta distribuídos em toda a cidade.

As Zonas Sul e Oeste foram as mais atingidas, com médias de 139,3mm e 134,5mm, respectivamente. O sistema de monitoramento, desenvolvido em parceria com a UFRN, é parte do Plano Municipal de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas — e tem como promessa ampliar a transparência e fornecer dados públicos confiáveis sobre as condições climáticas da capital.

Mas enquanto os números são exibidos em boletins bem produzidos, a população atravessa avenidas com água até os joelhos.

O que os dados não escorrem

É importante reconhecer o esforço de mapeamento da Prefeitura. Os dados da Semurb são precisos e bem organizados. A ampliação da rede, com novos termo-higrômetros e estações meteorológicas, é louvável. Mas, com todo o respeito aos gráficos e tabelas: de que adianta saber exatamente quantos milímetros caíram, se não há estrutura para que a água vá embora?

Não é ciência o que falta. É ação.

Na Cidade da Esperança, a lagoa transbordou. No Loteamento José Sarney, Zona Norte, a água invadiu as casas, e a dona de casa Zélia Targino teve que proteger a cadeira de rodas elétrica da filha para não perder o que levou anos para conseguir. “A gente é obrigado a viver assim, porque não tem outro canto pra ir”, desabafou.

Na Zona Leste, a garagem de um condomínio virou aquário de carros de luxo. E na Ponta Negra engordada, a cratera próxima ao Morro do Careca voltou a abrir. A cerca caiu. A engenharia cedeu.

E o robô do prefeito?

Robô de mapeamento da Prefeitura de Natal
Robô de mapeamento da Prefeitura de Natal

Difícil não lembrar do robô de drenagem anunciado com pompa por Paulinho Freire no início do ano. Como bem lembrado pelo jornalista Heitor Gregório, a máquina, importada da Alemanha, foi vendida como revolução: mapeamento de galerias, detecção de entupimentos, fim dos alagamentos.

Com esse novo equipamento tecnológico, o processo de drenagem e fiscalização vai ser mais eficiente, reduzindo os riscos de obstruções e alagamentos”, disse o prefeito, em tom otimista — ou excessivamente esperançoso.

Três meses depois, o robô sumiu. O alagamento ficou. Nas ruas, já circula o apelido ácido: Robô Reborn.
A cidade afunda, enquanto o robô, se ainda estiver ativo, provavelmente atolou em alguma galeria esquecida.

Boletim técnico, lama real

A Semurb afirma que o boletim “é uma ferramenta de prevenção, planejamento urbano e transparência”. Está certo. Mas prevenção exige ação antes da chuva, e planejamento não se mede só em estações meteorológicas, mas em escoamento funcionando e infraestrutura que suporte o óbvio: que junho, em Natal, chove.

O problema não é a falta de previsão. É a ausência de execução.

A Prefeitura pode ter uma rede de monitoramento. Pode ter parcerias com universidades. Pode distribuir gráficos bonitos para imprensa. Mas o que a população precisa — e não tem — é resposta prática.

A cidade está saturada. E a paciência também.

Os dados estão aí. A ciência está aí. A previsão estava feita. A chuva veio. E Natal, mais uma vez, não estava pronta.

O povo nadou, empurrou carro, perdeu móveis. A cidade boiou em descaso. E o que era pra ser rotina de inverno virou tragédia antecipada.

A pergunta que fica não é “quanto choveu?”, mas sim: quantas vezes mais será preciso repetir essa manchete até que algo mude?

Nossa página no Instagram está fazendo uma cobertura ampla em vídeos e você pode conferir clicando aqui.

Deixe um comentário

Seu e‑mail não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.