30 de setembro em Mossoró: o feriado que marca a abolição antes da Lei Áurea

Hoje, a Prefeitura mantém a data no calendário oficial como “Libertação dos Escravizados”, celebrada com atos cívicos, desfiles e, sobretudo, com o Auto da Liberdade.
30 de setembro em Mossoró: o feriado que marca a abolição antes da Lei Áurea
Quando Mossoró disse não à escravidão - Foto: Hanasaki / Adobe Stock

Resumo da Notícia

Há feriados que passam despercebidos no calendário nacional, lembrados apenas como dia de folga. Mas em Mossoró, o 30 de setembro não é data neutra. É marca de resistência, é símbolo de um povo que se adiantou à História oficial do Brasil e decretou, por conta própria, a liberdade de seus escravizados em 1883 — cinco anos antes da Lei Áurea.

O feriado municipal, consolidado por lei em 1913, lembra esse gesto pioneiro e faz da cidade referência nacional. Mossoró não esperou pela assinatura da princesa Isabel; proclamou a libertação em praça pública, com a presença de abolicionistas, lideranças sociais e a força decisiva da maçonaria local.

A decisão tomada em 30 de setembro de 1883 colocou Mossoró entre as primeiras cidades brasileiras a abolirem a escravidão em caráter coletivo. Foi um movimento de ruptura que não nasceu do nada: vinha sendo gestado nas lojas maçônicas, nos debates entre intelectuais locais e no pulsar da sociedade que já enxergava a escravidão como um atraso.

Essa libertação, ao contrário de outras emancipaçãos pontuais pelo país, teve caráter oficial e irreversível, registrando o nome de Mossoró no mapa da abolição. Era, sobretudo, uma mensagem: a cidade escolheu não conviver mais com a escravidão, mesmo antes que o Estado brasileiro assim determinasse.

A oficialização do feriado

Auto da Liberdade em Mossoró
Auto da Liberdade em Mossoró

Décadas depois, em 1913, a data foi elevada a feriado municipal pela Intendência. A ideia era simples: não deixar que a memória se apagasse. Não era só sobre lembrar o passado, mas afirmar, ano após ano, que a liberdade se tornava parte do DNA mossoroense.

Hoje, a Prefeitura mantém a data no calendário oficial como “Libertação dos Escravizados”, celebrada com atos cívicos, desfiles e, sobretudo, com o Auto da Liberdade — espetáculo cultural que costura diferentes momentos da história local, como o Motim das Mulheres (1875), o voto feminino de Celina Guimarães Viana e a resistência ao bando de Lampião.

A escolha de celebrar o 30 de setembro vai além do folclore. É um ato político de afirmação identitária. Em um país que frequentemente apaga histórias locais, Mossoró insiste em dar centralidade ao que a distingue: pioneirismo, resistência e capacidade de se reinventar.

É também um alerta sobre como o Brasil lida com sua memória escravocrata. Enquanto o 13 de maio se tornou data controversa, em Mossoró o 30 de setembro é tratado como conquista própria, de dentro para fora.

O feriado basta?

Mas é aqui que cabe a reflexão da coluna Panorama. A libertação de 1883 foi um passo histórico, mas não podemos ignorar que, 142 anos depois, as desigualdades persistem. O racismo estrutural ainda molda oportunidades, e a memória, se não for acompanhada de políticas públicas concretas, corre o risco de virar apenas ritual.

De nada adianta desfile ou espetáculo se a população negra de Mossoró segue sub-representada em espaços de poder e oportunidades. O feriado deve ser ponto de partida, não de chegada.

Um espelho para o presente

Mossoró gosta de se afirmar como “Terra da Liberdade”. O 30 de setembro sustenta essa narrativa. Mas, como todo espelho, essa imagem reflete tanto virtudes quanto contradições. A libertação dos escravizados precisa dialogar com a luta contra as novas formas de exclusão social.

Do contrário, a data corre o risco de se transformar em apenas mais um feriado de discursos oficiais e fotos protocolares. A História cobra coerência. E Mossoró, pioneira em 1883, precisa seguir pioneira na prática da igualdade.

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