Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu um produto inovador capaz de transformar água turva em água potável, de forma sustentável e sem impacto ambiental. A tecnologia, baseada no uso de extrato de castanhola, é um floculante natural modificado quimicamente para atuar com alta eficiência no processo de clarificação da água.
O invento surgiu da combinação de sete cientistas da UFRN, com destaque para a liderança da professora Tatiane Kelly Barbosa de Azevêdo Carnaval, da Escola Agrícola de Jundiaí (EAJ), unidade da UFRN situada em Macaíba.
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O produto foi desenvolvido com base nos taninos extraídos da casca da Terminalia catappa, popularmente conhecida como castanhola, árvore típica de áreas litorâneas e com presença abundante no Rio Grande do Norte.
Tecnologia sustentável para o tratamento de água
O floculante criado pelo grupo atua na fase de floculação, etapa importante no processo de purificação da água, quando partículas pequenas suspensas se agrupam e formam flocos maiores que podem ser facilmente removidos. Para que essa agregação ocorra de forma eficiente, são necessários agentes químicos — e é nesse ponto que o floculante natural se diferencia.
“A invenção situa-se na área de saneamento e é voltada ao tratamento de água para consumo humano, incluindo o tratamento de efluentes e remoção de turbidez. O nosso produto tem desempenho equivalente ao de produtos comerciais, mas com benefícios ambientais e operacionais superiores, como a redução de lodo e maior tempo de vida útil dos equipamentos, além de evitar corrosão. Diferentemente dos coagulantes químicos tradicionais, o nosso produto não oferece riscos ao meio ambiente ou à saúde humana, como poluição do lençol freático ou problemas neurológicos,” afirmou Tatiane Carnaval.
Atualmente em Portugal realizando pós-doutorado, a professora Tatiane segue aprimorando a pesquisa, conduzindo novos experimentos com o objetivo de aprofundar a análise química dos compostos envolvidos, principalmente os fenólicos e taninos, por meio de metodologias inovadoras.
“Estamos estudando o tempo de prateleira, os melhores métodos de extração e outros parâmetros fundamentais para garantir a viabilidade do produto em larga escala,” explicou.
Produto reduz turbidez da água em até 96,67%
O desenvolvimento do coagulante natural foi tema da pesquisa de mestrado de Luan Cavalcanti da Silva, um dos integrantes do grupo. Luan destacou que o produto é uma alternativa eficaz e segura ao uso de coagulantes químicos convencionais. Os testes demonstraram que o floculante à base de taninos da castanhola foi capaz de reduzir a turbidez da água em até 96,67%, mantendo o pH equilibrado e eliminando a necessidade de correção de acidez, o que representa uma vantagem direta em relação aos produtos comerciais que acidificam a água tratada.
A pesquisa, desenvolvida no âmbito do Laboratório de Produtos Florestais Não Madeireiros da EAJ, também comprovou que o novo coagulante reduz a formação de lodo e prolonga a vida útil dos equipamentos utilizados nas estações de tratamento de água, diminuindo custos operacionais.
“O uso de coagulantes naturais é um caminho que fortalece a pesquisa de produtos florestais não madeireiros e amplia as possibilidades de aproveitamento sustentável da flora nativa,” destacou Luan Cavalcanti.
Produto premiado e com patente registrada
A pesquisa recebeu destaque no Prêmio Inovação das Águas Potiguares de 2024, promovido pelo Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn), onde foi reconhecida como uma das melhores produções científicas na área de segurança hídrica e gestão de recursos sustentáveis.
A invenção, registrada sob o nome Coagulante à base de taninos extraídos de Terminalia catappa, seu processo de obtenção e seu uso para remoção da turbidez de água, foi patenteada pela UFRN no Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) em maio deste ano. O grupo de inventores inclui também Denys Santos de Souza, Paula Evanyn Pessoa do Nascimento, Kayo Lucas Batista de Paiva, João Gilberto Meza Ucella Filho e Alexandre Santos Pimenta.
Os cientistas reforçam que o uso de matérias-primas naturais e biodegradáveis vem ganhando espaço nos centros de pesquisa de saneamento justamente pela capacidade de otimizar etapas de tratamento, reduzir custos e minimizar impactos ambientais.
Etapas da pesquisa e comprovação dos resultados
As cascas de castanhola utilizadas foram coletadas no próprio campus da Escola Agrícola de Jundiaí. O material foi separado da madeira, ensacado, estocado e posteriormente seco ao ar livre em um galpão coberto. Depois de seco, o material foi triturado até alcançar a granulometria necessária para o processamento.
Para comprovar a eficácia do coagulante natural, os pesquisadores utilizaram amostras de água turva de um açude localizado na EAJ. Durante os testes, a turbidez da água foi aumentada com acréscimo de água barrenta para garantir cenários desafiadores. Os resultados mostraram que o produto natural apresentou desempenho semelhante ou superior aos coagulantes tradicionais, com a vantagem de preservar o pH ideal da água.
“A eficiência do nosso coagulante é consistente e ecologicamente segura. A cationização dos taninos, processo químico que realizamos, foi essencial para melhorar a interação entre o floculante natural e as partículas orgânicas presentes na água, aumentando a eficácia da remoção das impurezas,” explicou Tatiane Carnaval.
Atualmente, os protótipos desenvolvidos estão em forma de pó, e a equipe segue trabalhando para aumentar a escala da produção e consolidar os dados que sustentam o uso industrial da tecnologia.
O avanço representa um passo importante na busca por soluções sustentáveis e economicamente viáveis para o abastecimento de água, especialmente em regiões que enfrentam desafios hídricos como o semiárido nordestino.