Nanopartículas criadas na UFRN podem revolucionar o combate ao câncer

Nanopartículas criadas na UFRN podem revolucionar o combate ao câncer
Tecnologia nasceu na área da física com aplicação na área da saúde – Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Em tempos em que a ciência brasileira insiste em se manter de pé mesmo diante da instabilidade crônica em investimentos, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) volta a se destacar no cenário nacional — e desta vez com uma inovação que pode transformar o tratamento de câncer e o desenvolvimento de terapias direcionadas.

Pesquisadores do Departamento de Física da UFRN patentaram um método de síntese de nanopartículas magnéticas metálicas de níquel e cobalto, encapsuladas em uma matriz de gelatina. A técnica tem como base o método sol-gel, que permite a criação de partículas nanométricas com elevada homogeneidade e aplicação em diversos setores, da biomedicina à tecnologia de armazenamento de dados.

A invenção — batizada de “Síntese de nanopartículas monodispersas metálicas de níquel e cobalto embebidas em uma matriz de gelatina” — é assinada pelos inventores Marco Antonio Morales Torres, Thiago Tibúrcio Vicente e John Carlos Mantilla Ochoa, vinculados ao Programa de Pós-graduação em Física da UFRN.

Segundo o professor Marco Morales, coordenador do grupo e docente do Departamento de Física da universidade, o processo se destaca pela escolha da gelatina como matriz estabilizadora. “Essas nanopartículas de níquel e cobalto foram sintetizadas em matriz de gelatina. Não à toa: os grupos amino, tiol e carboxílico, presentes na gelatina, favorecem sua solubilidade em água e a capacidade de interagir com os cátions metálicos dissolvidos em meio aquoso“, explicou.

O método sol-gel, utilizado na síntese, consiste em transformar um sol coloidal — uma suspensão de partículas — em uma estrutura de gel, removendo a fase líquida. A partir daí, cria-se uma matriz sólida que dá forma e estabilidade às nanopartículas, o que permite controle preciso sobre o tamanho e a forma — algo essencial em aplicações biomédicas.

Câncer, hipertermia e entrega precisa de medicamentos

Entre as principais aplicações do invento, está a magnetohipertermia, técnica que permite aquecer localmente tumores com o uso de nanopartículas metálicas ativadas por um campo magnético alternado (AC). O calor gerado pode destruir células tumorais sem afetar os tecidos saudáveis ao redor, algo considerado um avanço sobre os métodos tradicionais de quimioterapia e radioterapia.

As nanopartículas podem ser funcionalizadas com surfactantes e polímeros biocompatíveis e, então, depositadas no local do tumor. A partir daí, podem gerar calor na região do tumor por meio da aplicação de um campo magnético AC. Esse método é chamado de magnetohipertermia”, afirmou Morales.

O princípio é simples: ao serem manipuladas remotamente por um campo magnético, as partículas se concentram em um local predeterminado — e ali, ativadas, funcionam como um microforno controlado. A isso se soma a possibilidade de vetorização magnética de fármacos, em que os medicamentos são “guiados” até o ponto exato de ação.

Além da área médica, as nanopartículas podem ser usadas em tecnologias de gravação magnética, catálise, células solares e até na produção de hidrogênio a partir da reforma de álcoois sobre catalisadores cerâmicos.

As nanopartículas sintetizadas têm entre seis e sete nanômetros de diâmetro e apresentam estrutura cristalina cúbica de face centrada, o que garante estabilidade e propriedades magnéticas superiores. Isso as torna ideais para manipulação remota, permitindo uma ampla gama de aplicações industriais e científicas.

O método de síntese desenvolvido revelou-se um avanço significativo na síntese de nanopartículas metálicas magnéticas. É o resultado de vários meses de trabalho do meu grupo de pesquisa, com a contribuição do ex-aluno de iniciação científica Thiago Tibúrcio Vicente e do pós-doutor John Carlos Mantilla Ochoa”, destacou Morales.

A tecnologia foi depositada em 2019, e a concessão da patente implica que a invenção atende a três exigências: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Ou seja, trata-se de algo novo, não óbvio e aplicável em escala.

Ter uma carta-patente, portanto, reconhece a criação de um método inédito, algo que não existia na natureza e que foi desenvolvido com base em conhecimento técnico, pesquisa e inovação.

O papel da UFRN na proteção e transferência da tecnologia

A Agência de Inovação da Reitoria da UFRN (Agir), dirigida por Jefferson Ferreira de Oliveira, tem sido a responsável por orientar cientistas sobre os processos de proteção intelectual.

Aqui na agência, damos suporte nesse aspecto, bem como intermediamos participações de pesquisadores em mentorias do INPI. O apoio que oferecemos aos alunos, docentes e pesquisadores abrange orientações sobre o que pode ou não ser patenteado, de acordo com a Lei 9.279/96, em seus artigos dez e dezoito”, afirmou Jefferson.

Mesmo nos casos em que a patente não é possível, o know-how desenvolvido pode ser licenciado — ou seja, transferido para empresas interessadas em aplicar o conhecimento, como ocorre nas universidades com cultura de inovação mais avançada.

A UFRN mais uma vez reafirma seu papel como instituição pública de excelência, atuando com solidez tanto na formação quanto na produção de ciência aplicada. A síntese de nanopartículas metálicas magnéticas não é apenas um avanço técnico — é uma aposta real no futuro da medicina personalizada, da engenharia de precisão e do protagonismo científico do Brasil.

Em tempos de corte de verbas e fuga de cérebros, uma patente como essa não apenas traz esperança. Ela prova que, mesmo diante dos limites, a ciência resiste. E no caso do Rio Grande do Norte, avança.

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