O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) instaurou uma Notícia de Fato para apurar uma possível propaganda eleitoral antecipada feita durante o evento Pingo da Mei Dia, que abriu o Mossoró Cidade Junina 2025, no último sábado (7).
A investigação gira em torno de uma manifestação pública do cantor Xand Avião, que, em cima do trio elétrico, fez declarações explícitas de apoio ao prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra (União Brasil), com menções à sua eventual candidatura ao Governo do Estado.
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A apuração está sob responsabilidade da promotora Ana Ximenes, da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Mossoró. Ao jornal Diário do RN, ela confirmou que já houve abertura da Notícia de Fato nº 02.23.2022.0000025/2025-37, ainda na segunda-feira (10), com o objetivo de verificar se houve utilização indevida de recursos públicos para fins eleitorais. “É cedo para fazer um enquadramento jurídico preciso. Contudo, determinei a abertura de Notícia de Fato para apurar”, declarou.
O procedimento inclui, além de Xand Avião, o próprio prefeito Allyson Bezerra e a secretária municipal de Cultura, Janaína Holanda. Já foram anexados à apuração matérias jornalísticas e publicações de redes sociais, incluindo vídeos com a fala do cantor no evento.
Fala de Xand Avião é o centro da investigação
Durante sua apresentação, Xand Avião dirigiu-se diretamente ao prefeito, em tom festivo, e declarou:
“Meu prefeito Allyson, um beijo do comandante. Parabéns por essa festa maravilhosa. Quem é fã do Allyson dá um gritão bem grande aí! 99,9% de aprovação. Quem não é, é porque não vota aqui. Quem quer Allyson para governador, grita eu! Por mim ele era presidente logo, macho.”
A manifestação, em meio a uma festa patrocinada com recursos públicos municipais, acendeu o alerta de possíveis irregularidades por ferir a legislação eleitoral.
Para o advogado Felipe Cortez, especialista em Direito Eleitoral, há indícios claros de infração à Lei nº 9.504/1997, que regula as eleições no Brasil. Ele aponta que a situação configura propaganda eleitoral antecipada, prática que pode ser punida com multa de R$ 5 mil a R$ 25 mil, conforme o artigo 36, §3º, da legislação.
“A leitura que eu faço disso é de propaganda antecipada. Temos uma eleição que será no próximo ano, e o prefeito se coloca como pré-candidato. Pelo que vi, ele gostou do que Xand Avião disse. Você coloca um cantor de renome nacional lançando a candidatura dele para governador num evento com 200 mil pessoas, pago com dinheiro público. Na minha concepção, temos aí um cenário de propaganda antecipada que é sancionado com multa”, avaliou Cortez.
Além disso, o jurista destaca possível violação ao princípio da impessoalidade na administração pública, que proíbe o uso promocional de nomes de gestores em eventos custeados com verbas públicas.
“Nos municípios que assessoro, já colocamos nos contratos com artistas a proibição de citar o nome do gestor. Pode-se dizer ‘Prefeitura de Mossoró’, como propaganda institucional, mas não elogiar o prefeito nem lançar candidatura. Isso desequilibra a disputa e fere a legislação eleitoral.”
Felipe Cortez também reforça que a fala do cantor pode ter gerado vantagem indevida a um pré-candidato, criando desequilíbrio no processo eleitoral:
“É evidente que os outros pré-candidatos ao governo não tiveram essa mesma oportunidade — e nem poderiam ter, porque nessa etapa do ano não é possível lançar pré-candidaturas da forma como foi feita. A gente está falando de um cantor pago com recursos públicos, exaltando um gestor e impulsionando sua candidatura. Cria-se uma condição de desigualdade enorme”, concluiu.
O que é uma Notícia de Fato?
A Notícia de Fato é a fase preliminar de apuração de uma irregularidade. Não se trata ainda de inquérito civil ou ação judicial, mas de um registro inicial feito pelo Ministério Público para analisar se há elementos suficientes que justifiquem a abertura de uma investigação formal.
Caso haja indícios concretos, o procedimento poderá evoluir para um inquérito civil público ou ação por improbidade administrativa ou propaganda irregular.
A partir da Notícia de Fato, o Ministério Público pode solicitar esclarecimentos formais, ouvir envolvidos e requisitar documentos, inclusive contratos firmados com os artistas que se apresentaram no evento. A depender dos desdobramentos, o caso pode resultar em sanções administrativas, eleitorais ou judiciais, a depender do grau de responsabilização.