Família será indenizada após recém-nascido morrer à espera de UTI móvel no RN

Além de reconhecer a falha, o tribunal apontou o direito da família à reparação moral, diante do sofrimento ocasionado.
Família será indenizada após recém-nascido morrer à espera de UTI móvel no RN
Foto: Divulgação / SAMU

Não foi a falta de incubadora. Nem falta de médico. Foi a ausência de um direito elementar: o acesso ao transporte de urgência. Na decisão unânime da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), o que ficou cristalino foi mais do que um erro de logística. Foi a constatação de que o poder público fracassou em cumprir sua obrigação mais básica: salvar uma vida quando ainda havia tempo.

O caso é de Nova Cruz, município do Agreste do RN. Uma gestante, com apenas sete meses de gravidez, entrou em trabalho de parto prematuro. O nascimento ocorreu dentro de casa, sem qualquer assistência prévia. Levada às pressas ao Hospital Monsenhor Pedro Moura, a mãe viu seu filho vir ao mundo com sinais de fragilidade. O médico plantonista não hesitou: era preciso uma UTI neonatal com urgência, algo que o hospital municipal não possuía.

O óbvio foi feito: solicitaram a transferência para a Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal, referência em casos complexos. Mas a ambulância com suporte avançado do SAMU — aquela que poderia manter o recém-nascido vivo — não chegou a tempo. E o bebê morreu ali mesmo, diante da impotência da mãe, dos profissionais e da estrutura falida.

A Justiça de primeira instância não viu culpa direta da prefeitura. Mas o Tribunal viu o que o bom senso e a Constituição exigem: a omissão do poder público, mesmo que indireta, é suficiente para configurar responsabilidade. O relator, desembargador Vivaldo Pinheiro, foi direto e aplicou o entendimento da responsabilidade objetiva do Estado, previsto no artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal:

A ausência de ambulância no local, por si só, caracteriza clara omissão do ente público e o nexo de causalidade resta identificado no fato de que a falta de transferência culminou com o agravamento do quadro de saúde do paciente e seu falecimento.

Segundo o magistrado, a transferência poderia ter dado ao bebê melhores chances de sobrevivência, considerando que a unidade de destino, em Natal, dispunha de recursos mais avançados para tratar casos como o do recém-nascido.

Além de reconhecer a falha, o tribunal apontou o direito da família à reparação moral, diante do sofrimento ocasionado. “Inegável o sofrimento emocional e psicológico decorrente da perda de um filho”, registrou o voto.

Com isso, o Município de Nova Cruz foi condenado a indenizar a família em R$ 140 mil — R$ 70 mil para cada genitor. O acórdão também estabeleceu a inversão do ônus da sucumbência, obrigando o Município a arcar com 100% das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.

A dor de quem perde um filho recém-nascido já é, por si só, irremediável. Mas há no episódio um agravante: a sensação de que poderia ter sido diferente. Que se o sistema tivesse funcionado, se a ambulância estivesse a postos, o bebê estaria hoje vivo.

Esse não é um caso isolado. O RN conhece de perto a tragédia cotidiana da ausência do básico em sua rede de saúde pública. Municípios pequenos, com estrutura mínima, enfrentam demandas complexas sem apoio adequado. Quando o tempo é fator determinante entre a vida e a morte, não existe margem para falhas. E, ainda assim, elas acontecem — e se repetem.

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