Em um marco científico e humano para a medicina do Rio Grande do Norte, a equipe do Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol-UFRN) realizou, no final do mês de abril, um procedimento considerado inédito no Brasil: a ablação complexa por cateter em um bebê de apenas dois meses de vida, diagnosticado com taquicardia fascicular — uma forma rara e grave de arritmia cardíaca.
Segundo o cardiologista e coordenador do Projeto de Extensão de Eletrofisiologia Invasiva, Júlio César Vieira de Sousa, esse foi o primeiro procedimento no país desse tipo realizado em uma criança com cinco quilos. “Já vimos casos de procedimentos realizados aqui no Brasil em bebês com peso de dois quilos e meio, mas, especificamente, para esse tipo de arritmia é o primeiro caso do Brasil em criança com cinco quilos”, afirmou o médico.
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A condição do bebê, João Miguel, se agravou apesar do uso de medicações. Foi diante da falência terapêutica que a equipe decidiu pela intervenção invasiva, considerada de alta complexidade e risco, especialmente em pacientes tão jovens.
“Além de ablação complexa, é uma ablação desafiadora”, relatou Júlio César. “Mesmo com cateteres apropriados para crianças, ainda são grandes demais para um coração tão pequeno. Tivemos que usar manobras técnicas específicas para alcançar o ventrículo esquerdo e neutralizar o foco da arritmia.”
O sucesso da intervenção foi possível graças a uma força-tarefa multidisciplinar, que envolveu equipes da UTI Pediátrica do Huol, da cardiopediatria, além do apoio estrutural dos hospitais Rio Grande e Incor, com suporte em cirurgia cardíaca pediátrica.
Para Leaneide Tomais, mãe do bebê, o momento foi vivido como um milagre. “Para muitos, esse procedimento ter sido realizado justamente no Sábado de Aleluia não passa de uma coincidência, mas para mim, foi Deus que preparou tudo, no momento certo”, declarou.
“Agradeço a toda equipe médica que não mediu esforços e, em especial, ao Dr. Júlio pelo cuidado, dedicação e atenção que tem pelo meu filho.”
Uma nova era para o SUS no RN
Com a realização do procedimento e a aquisição de novos insumos, o Huol agora realiza de forma contínua ablações complexas por cateter, com uso de mapeamento tridimensional eletroanatômico e cateteres de alta tecnologia com força de contato.
“Casos assim antes só eram viabilizados via judicialização”, explicou o médico Júlio César. “Agora, com a licitação dos materiais necessários, passaremos a realizar dois procedimentos desse tipo por mês de forma programada.”
Esse tipo de ablação, que não exige o uso de fluoroscopia (Raio-X), permite intervenções mais seguras e menos invasivas — um avanço que, segundo especialistas, reduz o risco de complicações, encurta o tempo de recuperação e melhora drasticamente a qualidade de vida de pacientes com arritmias complexas.
A chefe da Unidade de Diagnósticos Especializados do Huol, Lidiane Bezerra, destaca que a padronização de materiais foi essencial para a excelência do procedimento. “Garantimos segurança, eficácia e humanização. A equipe de enfermagem desempenhou um papel central no agendamento e preparo do paciente.”
Um salto na cardiologia intervencionista infantil
A intervenção em João Miguel também representa um salto técnico e simbólico na medicina potiguar. Procedimentos invasivos em neonatos e lactentes são raros mesmo em grandes centros do país, e exigem altíssimo nível técnico, precisão milimétrica e integração total da equipe.
Com o registro do procedimento e a experiência acumulada, o Huol-UFRN se posiciona como referência no Norte-Nordeste na realização de ablações pediátricas complexas, em consonância com a Rede Ebserh, responsável pela administração de 45 hospitais universitários em todo o Brasil.
Desde que passou a integrar a rede, em 2013, o Huol vem ampliando o número de atendimentos especializados via SUS, apoiando a formação de profissionais e contribuindo com a produção de ciência aplicada. A ablação sem fluoroscopia em um bebê de dois meses é, além de um feito médico, um testemunho do papel estratégico da universidade pública na saúde nacional.