Carro ‘voa’ por cima de buggy em duna de Canoa Quebrada

O Brasil tem essa mania perigosa de transformar irresponsabilidade em entretenimento.
Carro ‘voa’ por cima de buggy em duna de Canoa Quebrada
Carro passa por cima de buggy e praticamente voa em duna de Canoa Quebrada, no Ceará — Foto: Reprodução

Na manhã deste sábado (17), um vídeo viralizou nas redes sociais: uma picape literalmente voando por cima de um buggy e passageiros em uma duna de Canoa Quebrada, uma das praias mais famosas e movimentadas do Ceará. A cena, que parece saída de um comercial hollywoodiano, na verdade revela — em cada segundo do salto — o retrato de uma tragédia que só não foi concretizada por milagre.

A gravação mostra o veículo subindo em alta velocidade por uma duna, desafiando o relevo e o bom senso. O salto é tão agressivo que a picape passa por cima de um buggy estacionado, que tinha ao menos três passageiros, além do motorista. Quatro outros homens, que estavam de pé, observam a manobra. O carro caiu com os quatro pneus estourados e os airbags inflados. O motorista foi identificado como um empresário da cidade de Russas, no interior do estado.

Até o momento da publicação deste texto, não havia informações oficiais sobre o estado de saúde do condutor. Vídeo ao final da matéria.

A prefeita de Aracati, Roberta Bismarck (PODE), reagiu com firmeza ao episódio: “Recebi a notícia com profunda indignação e, de imediato, acionei o comandante da Polícia Militar, o delegado da Polícia Civil e o comandante da Guarda Municipal, solicitando rigor nas apurações e ações rápidas”, publicou.

A fala da gestora não é retórica. A conduta vista no vídeo não se trata de imprudência ocasional — mas de uma ação dolosa, consciente, em área turística, com risco coletivo. O salto, deliberado, foi feito em local sabidamente ocupado por veículos, bugueiros e banhistas.

Também se manifestaram o secretário estadual de Turismo, Eduardo Bismarck, e o vereador local Beto Andrade, conhecido como Beto Bugueiro. O secretário criticou o romantismo que parte do público dedicou à cena nas redes sociais:

Romantizar essa cena é desrespeitoso e perigoso para quem vive do turismo e com todos em volta. O motorista trafegava ilegalmente e deve ser investigado e punido com o rigor da lei. Definitivamente não é entretenimento.”

Beto foi direto: Inadmissível. Que seja punido com as leis. Colocou a vida dele e de quem estava ao redor em risco.”

Canoa Quebrada sob pressão

Nos bastidores da política local, o caso reacende um alerta antigo: a ausência crônica de fiscalização nas dunas de Canoa Quebrada e Majorlândia, especialmente nos fins de semana e feriados. O turismo de aventura, quando deixado sem regras claras e vigilância efetiva, transforma o paraíso em campo de roleta russa.

Moradores relataram nas redes sociais que a falta de controle é histórica: Estacionam onde querem, andam na contramão e, se reclamarmos, acham ruim e até xingam. Ninguém fala nada por receio de represálias, escreveu uma moradora. Outros cobraram reforço da Guarda Municipal e do policiamento ostensivo.

É fato: Canoa Quebrada é um dos destinos mais simbólicos do litoral nordestino, com projeção internacional. Mas o episódio deste sábado revela uma vulnerabilidade vergonhosa. Não basta vender o cartão-postal, é preciso proteger o que se anuncia.

Entre o espetáculo e o descontrole

Enquanto isso, vídeos seguem circulando. O carro saltando, as pessoas gritando, os comentários romantizando a manobra como se fosse uma façanha de rally. O Brasil tem essa mania perigosa de transformar irresponsabilidade em entretenimento. E, não raro, só acorda quando o vídeo seguinte traz sangue, corpos e silêncio.

Canoa Quebrada escapou, por pouco, de virar manchete trágica. Mas o que aconteceu neste sábado é tudo que um destino turístico não pode permitir: turistas ameaçados, bugueiros expostos, condutores fora de controle e Estado ausente.

O Portal N10 solicitou informações à Secretaria de Segurança Pública do Ceará. A identificação do motorista foi feita, mas ainda não há confirmação sobre medidas administrativas ou criminais adotadas. A prefeita prometeu “rigor”. O secretário pediu “investigação”. A população cobra “fiscalização”.

Mas enquanto o rigor não vira processo, e a indignação não vira norma, o que se vê é a repetição do risco.

Deixe um comentário

Seu e‑mail não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.